Romilton Batista de Oliveira
Itabuna / BA
Vencendo a discriminação
Tudo caminhou de forma tranquila e coerente até que João percebesse que algo realmente lhe faltava. Percebeu que era diferente dos demais. E isso aconteceu tardiamente. Ele achava que a vida era feita de silêncio. Pensava que não existia a capacidade de ouvir. Acreditava que só existia a habilidade de falar. Sentia que algo faltava, mas seus pais agiam de forma que ele nunca percebeu a ausência auditiva em sua vida. Estudava numa escola particular que acolhia apenas surdos e outras crianças que tinham alguma deficiência semelhante.
Um dia, sua mãe, instruída por amigos e familiares, decidiu colocar Joãozinho numa escola “normal”. Após uma semana de aula, João se sentia mais problemático e rejeitava do seus colegas que, às vezes, em coral, diziam:
– Joãozinho é doente. Fala mas não ouve. Aha! Uhu! Aha! Uhu! Joãozinho é doente e não ouve. É surdo. É doente! É deficiente!
Quando ia lanchar, seus colegas separavam dele. Apenas sua amiga Maria Lúcia lhe dava atenção. Maria Lúcia também tinha o seu mesmo problema. Joãozinho logo cedo descobriu um sentimento no outro que ele ainda não conhecia: o preconceito e a falta de caráter. Ambos andam juntos, de mãos dadas: preconceito e ausência de caráter. E fazem grandes estragos quando não são corrigidos pelo próprio portador.
Quando desrespeitamos alguém, desrespeitamos porque não temos um caráter solidamente construído, nem valores humanos e sociáveis coletivamente historicizados. Também a falta de consciência gerada pela falta de conhecimento, causa nesses “insanos” humanos esse sentimento que deve ser rigorosamente condenado e cancelado de nosso mundo humano.
Joãozinho foi crescendo e se deu conta que é difícil viver num mundo onde há pessoas que rejeitam outras só porque lhe faltam alguma parte que lhe foi tirada bem antes do nascimento. Seus pais assim que perceberam começaram a agir e exigiram que a escola tomasse as devidas providências em relação à situação constrangedora em que seu filho estava a passar. Deu o aviso que se caso Joãozinho continuasse sofrendo preconceito, ela iria tomar as devidas providências. Mas, nada foi feito, e o seu filho começou a ter sintomas que antes não tinha. Joãozinho começou a ter medo de luz, a se isolar, a trancar a porta do quarto e a sentir dores de cabeça. Sua mãe o levou ao médico, e este indicou-lhe tratamento psicológico.
Dona Diva e seu Cláudio perceberam que seu filho mudou muito depois dos três anos de estudo nesta escola. Resolveu entrar na justiça e procurou os meios de comunicação de sua cidade, expondo à sociedade o problema de seu filho e o sofrimento. Muitos pais que também estavam passando pelo mesmo problema se juntaram a eles, e juntos criaram uma carta dirigida ao Ministério Público que, tomou parte da situação, e, intermediou a situação.
Por algum tempo, Joãozinho e tantos outros começaram a ser ainda mais rejeitados. Como que quem mexe no ninho de abelhas é pra ser picado. Dona Diva e seu Cláudio não se intimidaram e juntos com outros pais, criaram uma entidade que, com a ajuda de homens e mulheres também engajadas com a causa, conseguiram tomar algumas atitudes. A escola teve que criar um novo estatuto disciplinar onde o respeito ao próximo, e principalmente, àqueles que possuem algumas dificuldades deficitárias, deveriam ser ajudados a integrar à comunidade. Foram criadas várias estratégias onde os alunos aprendiam, através de um currículo pluricultural e interdisciplinar, que o mais importante na aquisição do conhecimento é o respeito ao ser humano em suas limitações.
Os professores aprenderam, por meio de capacitações e intermediações da sociedade, que, o princípio maior da educação básica do ser humano é servir e amar o seu semelhante. A escola é o lugar de atendimento das diversas formas de ser e estar dos seus envolvidos, um lugar onde é possível que todas as vozes sejam respeitadas, ouvidas e integradas ao contexto macro da sociedade.
No início de um novo ano a realidade era outra: Joãozinho não mais precisou de tratamento e acompanhamento psicológico, pois a escola entendeu o seu papel e a sociedade se transformou, porque onde há alguém sendo discriminado é sinal Da existência de “deficiência” de todos os envolvidos. A felicidade depende de todos. O mundo será mais justo e sociável quando cada indivíduo fizer a sua parte. Somos mais que um, quando estamos juntos e lutamos por uma causa, além do mais levante o braço quem não tem algum “defeito” de fábrica! No fundo, todos nós temos alguma “deficiência”. Algo nos é tirado quando nascemos. Exatamente porque não somos completos, estamos em contínuo crescimento de aprendizagem, buscando “algo” que possa preencher este “vazio” ou esta deficiência que todos carregam dentro de si.
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