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Maria Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso / MG

Coração de mãe

          Dona Nena era uma elegante senhora, já um tanto idosa, que morava numa das ruas principais da pequena cidade mineira. Viúva há algum tempo, procurava ocultar a solidão que algumas vezes a entristecia, principalmente ao cair da tarde. Era nesta hora que dona Nena sentia um vazio muito grande, pois sempre se sentava no pequeno alpendre da casa com seu marido e ali jogavam conversa fora, vendo os carros e pedestres passarem, até chegar a hora do pequeno jantar.
          Dona Nena era mãe de um casal de filhos adultos que se mudaram para cidades distantes. Uma vez por semana se falavam por telefone e umas poucas vezes por ano, eles vinham lhe visitar. Dona Nena se deliciava com a presença do filho Aldo. Ele era espirituoso, brincalhão, via alegria em tudo. Contagiava a mãe com seus casos e mais casos que iam até tarde da noite. Fazia piada com tudo: com a vida, com a juventude, com a velhice e até com a morte. Ele conseguia tirar de cada fase da vida a parte cômica. Até a tristeza era vista de  maneira jocosa.
          Quando ele se despedia da mãe, esta sempre lhe dizia:
          - Cuide-se Aldo e não se esqueça de mim.
          Ao que ele respondia:
          - Não se preocupe, eu nunca me esqueço de me lembrar da senhora. Quanto a me cuidar, até a minha partida desta para melhor há de ser engraçada.
          Em certo dezembro, já com ares de Natal, estava dona Nena debruçada na mureta do alpendre, quando o carteiro passa e lhe entrega um telegrama. Já nem se lembrava de quando recebera um, mas sabia estar ali uma notícia urgente.
          Entrou para a sala e abriu aquele pequeno papel lacrado. Sentiu as forças abandonarem seu corpo ao ler: “Seu filho Aldo partiu desta para melhor. Segue corpo”.
          Começou a chorar. Em prantos telefonou para alguns parentes que moravam na mesma cidade. Estes logo chegaram a casa querendo maiores detalhes. Ela mostrava o telegrama e o clima se tornou de velório.
          Deitaram a senhora, deram-lhe chá para acalmá-la. A esta altura, dona Nena fala com voz entrecortada:
          -Coração de mãe não se engana! Hoje eu estava com o meu apertado. Parece que a qualquer hora ia chegar uma notícia ruim.
          A família se preparou para receber o corpo que estaria ali na manhã seguinte. Em solidariedade à dona Nena, ninguém arredou os pés do local.
          Na manhã seguinte, de fato, o corpo chegou. Entrou todo radiante com uma mala enorme, sorrindo e dizendo:
          - Quanta gente para me receber! Pois saibam que vim para ficar.
          Os parentes se estagnaram.
          - Como você pode fazer isto? Sua mãe está mal! Anunciar a própria morte...
          Dona Nena apareceu na sala.
          - Aldo, você?
          - O que é isto mamãe? Eu morri sim, mas para a vida mundana. De hoje em diante ficarei para sempre com a senhora.
          Apesar do despautério dona Nena o abraçou. Seu filho estava vivo. Lembrou-se do seu coração que estava apertado no dia anterior e sorriu.
          - Coração de mãe, de vez em quando, se engana sim.
          Os parentes começaram a se dispersar, não sem antes, falar umas boas para Aldo. Ele se desculpava dizendo que não imaginava que uma brincadeira pudesse alcançar tamanha proporção. Prometia nunca mais fazer humor negro.
          Dona Nena já recuperada do susto, não se desprendia do braço de Aldo. Sofreu muito, mas agora o que importava era desfrutar a companhia do filho querido.
         

 

 
 
Conto publicado no livro Quem vai pegar o morto?" - Fevereiro de 2016