João Paulo Hergesel
Alumínio / SP

 

 

02h54

 

           

O garoto acompanhava visualmente o tique-taque, esperando os poucos minutos para que o relógio esticasse seu braço comprido o mais alto que pudesse. Nada tinha para fazer às três da manhã, a não ser calcular o ângulo de noventa graus que se formaria; a hipotenusa horária seria suficiente para distraí-lo da insônia de quarta-feira. Sabia que já era quinta, mas, como o sol ainda não havia aparecido para oficializar, prolongava, ele mesmo, o dia anterior.
Pensou que o chá de hortelã com leite o ajudaria a dormir, mas o morno ainda estava quente e ficou com a língua queimada. Apelou à sua outra língua, a portuguesa, e abriu um livro de Saramago, mas não entendeu nenhuma vírgula do primeiro capítulo; como se o texto tivesse vírgulas e fosse dividido em capítulos. Portanto, apagou a luz, voltou a deitar-se e, em vez de fechar os olhos, os mantinha na direção do despertador.
Logo que amanhecesse, o alarme dispararia. Não que o garoto trabalhasse, precisasse ir ao colégio de manhã ou tivesse algum outro exercício que o forçasse a acordar cedo; apenas gostava do hábito de acordar com o toque irritante para ter o prazer de desligá-lo e voltar a dormir. Nunca contou para ninguém da mania, nem do motivo dela, mas a terra dos sonhos ficava mais divertida na segunda ida.
O pior era quando a bexiga coincidia e reclamava ao ouvir a campainha. Provavelmente, ela pensasse que estaria na hora de levantar e, por isso, pedia para ser urgentemente esvaziada. Tantas foram as vezes em que o garoto pensou em fazer ali mesmo e, dane-se, depois lavava o lençol. Mas isso era outro triângulo: o barulho avisava o organismo que alertava o cérebro, e este bloqueava qualquer ato grosseiro.
Era obrigado a ir ao banheiro, mal-humorado, e se deparar com o mau-humor da privada, que logicamente estaria de tampa fechada. Irritava-se por não ter um mictório em casa: tira, jorra, sacode e guarda, não levanta tampa, não dá descarga, não molha assento. Pensou diversas vezes que a pia seria uma ótima substituta, mas o cérebro, educadamente alienado na infância, também rejeitava isso.
O jeito seria apelar para o ralinho do chuveiro. Inclusive, mataria com acidez corporal as baratas que quisessem subir por ali. O cérebro já estaria cansado de tantos impedimentos e nem se intrometeria mais. Os respingos no pé nem contariam. Xxxxxxxx — era tão bom ter seu próprio banheiro. E se, no futuro, namorasse alguém que tivesse fetiche de chuva-dourada, seria mais gostoso.
Assim, a imaginação, que não passava de ficção, fantasiava a realidade e lhe deixava alegre debaixo do edredom. As mãos, cumprindo a função de melhores amigas de um rapaz solteiro, formaram, dentro da cueca boxer, o terceiro triângulo da história. Nelas, o garoto depositou o protótipo de um filho que deixou de nascer.

Mas ainda eram duas e cinquenta e quatro, sem alarme para desligar, sem necessidade de dar uma urinada, sem sexo exótico real... Tinha somente a insônia e os ponteiros para lhe distraírem. Ficou olhando mais um pouco e, como se houvesse sido hipnotizado pelo movimento circular das horas, dormiu. A baba no travesseiro era a representação líquida dos sonhos incomuns de um adolescente ainda virgem.

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Pé de pato, mangalô, três vezes!!!"- Edição Especial - Junho de 2017