Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

 

 

Foi ontem, mas pode ser hoje também

 

           

Relendo o livro As Origens de Pato Branco encontrei um história que  para os nosso dias se faz hilariante.  Penso que foi uma confusão total  nos dias  do  acontecimento.  Como se diz: naquele tempo foi assim. Embora  não são fatos acontecidos só no passado, ainda hoje são praticados  de outras formas, as mesmas ações tanto a dos penitentes, bem como a do falso confessor. Fazem-se delações não usando o confessionário, mas salas  muito bem equipadas. Com autoridades constituídas.
A história está transcrita com toda a sua originalidade.
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Mea Maxima Culpa
“Isso acontece nas melhores famílias É esta expressão que popularmente se usa para buscar uma justificativa que desafia psicólogos e educadores, ou quem os valha, para explicar o aparecimento de um que outro membro arrevesado na role. Rara é a família que principalmente  quando numerosa, não amarga a desventura de se ver as voltas com um pinta–braba. A mesma educação, o mesmo exemplo e... um capeta, no mínimo. Nem Freud explica! É aquele que despinta na família. Atravessa no conjunto, como diriam os sambistas. E, nessa contramão pode enveredar para a trilha da maldade , do vício, do crime, ou, simplesmente, pelo caminho da gozação inofensiva e irreverente. E essa figura do malandro inofensivo e irreverente, saído de modelar família, marcou passagem também na história da então Villa Nova.
 Um moço chamado Pedrito, pôs a larga inteligência a serviço da hilária e melindrosa arte de tirar sarro de todo o mundo, aprontando das suas, não deixando ninguém em paz. Vivia metido em complicações, gerando problemas até para a própria família que tentando uma solução, na conduta do rapaz, chegou a recambiá-lo para casa de parentes distantes, sem auferir os resultados esperados. Em  tempo, estava de volta. Era aqui o seu chão preferido.
Transcorriam as missões. Uma das primeiras na vilazinha que iniciava os seus passos rumo ao progresso e, também com a iniciação religiosa delineando o bem-viver. Diariamente a atividade missionária iniciava-se antes do alvorecer,com atendimento aos fiéis em confissões e após a Celebração da Santa Missa.
Numa manhã, daqueles dias missioneiros, aproveitando-se do lusco-fusco reinante no ambiente e do fato de os missionários serem desconhecidos do povo, Pedrito, resolveu aprontar uma das suas. Feito padre, enfiou-se no confessionário, passando a atender os penitentes madrugadores. Em fila, os contritos, um a um, aproximavam-se da tenda do perdão, para segredar ao “padre-confessor” os escorregões e as falcatruas cometidas, para então obterem o alívio de suas pesadas consciências.
Como a Villa era pequena, todos eram conhecidos, assim a maioria dos pecadores arrependidos e sabendo-lhes muito dos comportamentos, o “confessor” após ouvir a autodelação do penitente, aplicava-lhe, em penitência dezenas de padre-nossos, que deviam ser rezados de joelhos, lá bem na frente do altar.
E, apareceu-lhe alguém, cuja conduta moral não era notoriamente, das mais limpas:
- O que o Senhor faz?
- Ah! . . .Eu tenho umas vacas e vivo de vender leite!
Vender leite ou água?. . . O Senhor não mistura água no leite?
- Bem!. . .  Eu. . .
- Mistura ou não mistura? Não minta para o missionário! ...
- Misturo, sim. . . mas é a minha mulher que mistura!... Prometo não fazer mais isso!.. . .
- Mas é o Senhor que manda  a sua mulher fazer isso, não é?
 - É...  Verdade...! Sou eu!
- O pecado é muito grave! Em penitência, reza 50 padre-nossos, de joelho lá na frente do altar!. . .
Saindo esse leiteiro comprometido, apresentou-se-lhe o moinheiro da Villa,  todo contrito e arrependido. Sabedor do que o homem andava aprontando por cima da freguesia, numa “prensa” bem conduzida, arrancou-lhe a confirmação de que enganava o próximo na balança. Sapecou-lhe 50 padre-nossos, rezados de joelhos, na frente do Altar.
Um dos padres missionários estranhou todo aquele povo ajoelhado lá na frente. Consultou um colega de Missão. . .
Esse indagando um dos senhores rezadores:
- Estou aqui rezando a penitência da confissão! Afirmou um daqueles sacrificados cristãos ao missionário, que convidara a turma a tomar lugar nos bancos.  Pois o no Altar iniciaria a Celebração.
O bulício e a movimentação estranha no recinto alertaram o “confessor”. Calculando que chegara o momento, sorrateiramente deixou o confessionário e, ainda protegido pela meia-luz do amanhecer embarafustou porta a fora, não escapando, todavia, dos olhares de alguns fiéis menos concentrados na listagem dos deslizes. O reconheceram.
- Mas é o Pedrito! . . .
Bastaram horas para façanha do Pedrito, mais uma vez estar na boca do povo. Dessa vez ele fora longe demais.
Os pecados do leiteiro, do moinheiro também, com nome e sobrenome desses exploradores do bolso alheio. E, muitos outros pecados vieram à tona pela boca do próprio Pedrito, sem compromissos com sigilos confessionais.
Ameaças de todo o tipo choveram sobre o aventureiro, inclusive, oriundas dos dois maiores pecadores. Foi ele jurado de morte.
Encerrado em casa Pedrito passou bom tempo sem mostrar a cara em público e, quando se aventurou a botar os pés na rua foi bem armado. Ainda com todo cuidado para não cruzar com nenhum dos seus absolvidos, dispostos a cometerem outros pecados maiores, na hora em que dessem com ele de jeito.
Tempos passados, distantes dos atuais, porém muito da realidade atual. Existem ainda os Pedritos, revestidos de homens sérios. E, os resolvidos a passarem a mão nos bens alheios.
Nem um enorme relvado de perder de vista coberto por trevos de quatro folhas nos livram desses males.

 

 
 
Poema publicado no livro "Pé de pato, mangalô, três vezes!!!"- Edição Especial - Junho de 2017