Isis Martins Giroldo
Quinta do Sol / PR

 

 

O jardim das mil cores

 

 


Era estação das chuvas, a casa estava repleta de baldes e bacias para conter as goteiras. Aninha olhava para cima com a intenção de descobrir outras goteiras, procurava marcas molhadas nas telhas. Sim, sua casa não tinha a proteção da laje ou do forro. Olhando para cima, via-se logo o telhado, as repartições dos cômodos de madeira, a fiação elétrica e o guarda-roupas de sua mãe, que era mais alto que a parede.
O pai se preocupava com a situação precária da moradia, temia pelo bem estar da família. Sentaram-se na sala, após um raio derrubar a eletricidade. À luz de velas, o homem contava histórias de sua infância às quatro filhas. Aninha, a terceira, se mostrava incomodada com a chuva. A criança tinha medo do barulho que a precipitação fazia no telhado, desprovido de qualquer outra proteção. As telhas frágeis eram a única separação, a única coisa entre o dilúvio e a família.
No meio da narrativa do pai, a pequena se vira para a mãe e pergunta das flores. Das flores no jardim. Insiste com o mãe que àquela altura as flores já deveriam estar todas destruídas. Despetaladas. A mãe, tentando consolar a filha e esconder a preocupação, dizia que com poucos dias de sol, as plantinhas se reergueriam. Ana não deveria se preocupar. A criança, sentada ao lado da janela, aproveitava os clarões para olhar o jardim, tinha esperança que elas, as flores, ainda estivessem lá.
A noite foi longa, as meninas dormiram numa cama improvisada no chão pela mãe. Os pais passaram a noite acordados, velando o sono das filhas e a instabilidade da casa. Ana acordou cedo, os pássaros cantavam felizes, sinal de que não chovia mais. Correu para a porta da casa e viu o jardim cabisbaixo, as flores, ou o resto delas, todas arqueadas em direção ao solo. Cena triste. Seus pendões verdes seguravam os restos sofridos e cambaleantes do que antes era um belo jardim.
Naquele dia a pequena chorou e amaldiçoou a chuva, sem saber exatamente o que significava a palavra maldição. Estava devastada. Sentada na soleira da porta, sentia um nó nas palavras. Sentia por seu jardim. O pai, sem muita paciência e atarefado com os estragos da chuva, esbravejou com a pequena, pedindo-lhe que fosse na casa de Dona Ofélia, pedir lona emprestada.
Foi recebida na casa da vizinha com um sorriso despreocupado. Ana não entendia. Mesmo fazendo um esforço épico para tirar as bacias cheias d’água das goteiras, Dona Ofélia sorria. Entregou a lona à menina dizendo que precisava sorrir para a vida florescer. A criança não entendeu, mas ficou encafifada com o que dissera a senhora. Voltou para casa e ajudou o pai a estender a lona.
O sol se fez presente nos dias seguintes. A mãe havia capinado o jardim, todas as plantas estavam no chão, secas pelo sol. Era só desconsolo. Ana sentia muito, mas pensava no que dona Ofélia dissera, sobre sorrir para florescer. E caminhando pelos restos secos das plantas, viu pequenos e tímidos brotos verdes rasgando o solo ainda encharcado. Sorriu. E sorria a cada novo gominho que avistava. Sabia que logo teriam plantinhas novas.
Quando acordou, no dia seguinte, passou direto pelos pais que estavam na cozinha, foi direto para o jardim. Quando abriu a porta, deparou-se com flores, muitas flores de cores variadas, eram todas iguais, mas as cores eram diversas. Formou-se um arco-íris no jardim de Ana. A menina pulava e cantarolava de alegria. Do outro lado da cerca, Dona Ofélia ria com a comemoração da criança. Dizia a Ana que sorrir é bem melhor e que foi sorrindo que a menina havia feito o jardim florescer em mil cores. Ana, olhando para a senhora, repetia o que aprendera com a vizinha. Sorrir para florescer. Florescer o jardim das mil cores.

 





Conto publicado no livro "Por trás dos panos" - Contos selecionados
Edição Especial - Janeiro de 2021

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