Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ





Quem é Ridane?




    Ridane nasceu na era do “Onça”. Há mais de um século.  
    Tempo em que tudo era velado, segredos, surpresas, suspenses, sempre em nome do medo da revelação, da descoberta do que estava por baixo dos panos, do desconforto de ter que explicar o que era pecado contar.  
    Ela nasceu com sentimento de liberdade, de independência. Uma pessoa que gostava de sentir o vento afagar seu rosto, de ouvir a música que tocava o coração, de dançar a dança do reflexo dos pelos arrepiados na pele com um simples toque de carinho ou de medo, a incontrolável gargalhada ao sentir cócegas. 
    Forte, decidida capaz de realizar qualquer trabalho, nada era impossível para ela. Ai de quem ousasse impedi-la de cumprir suas metas.  
    Tempo em que a melhor parte da vida não podia ser destinada às mulheres. Na mentalidade da época, as fêmeas vieram para servir e parir, e assim eram criadas, educadas e domesticadas. Aceitavam a vida dentro dos padrões familiares e da cultura local. 
    Ridane nasceu fora do seu tempo. Lutou pelo que acreditava, anunciava que todas as mães de família tinham direitos e vontade própria.  
    Conseguiu que as filhas fossem à Universidade, que o marido a respeitasse como pessoa. E estava sempre orientando as donas de casa que lutassem por elas mesmas e pelos filhos. 
    A vida de Ridane foi um grande exemplo, faltariam adjetivos que dignificassem a sua existência. 
      Um belo dia um neto afilhado já nos seus quase vinte anos, que sempre visitava a vó, aquele dia ela estava sozinha na sala, ele chegou abraçando-a, beijou-a na testa e dizendo: eu te amo muito. Ela ficou em silêncio. Chegaram outros filhos, netos e bisnetos. Alguém comentou: - a senhora hoje está diferente com um sorriso da Monalisa. Ela gargalhou como se aquele comentário fizesse cócegas em todo seu corpo.  
    No domingo seguinte, à mesa do almoço comemorativo do aniversário de oitenta e nove (89) anos dela. Vovó Ridane chamou o neto afilhado: Vem até aqui meu querido afilhado quero ver se tem coragem de falar para mim o que você falou no domingo passado quando eu estava sozinha. Todos em silêncio com caras de reprovação, ele se aproxima dela, perguntando com voz de quase choro: - Que foi que eu fiz minha vó?  Ela juntando os dedos da mão bem enrugada com olhos cintilantes e molhados pela emoção olhando para o neto respondeu: – Fala aquilo, e mexia com os dedos todos juntos como se estivesse esfregando um brilhante. Aquilo... aquilo ... Repetia ela. Ele sorriu e falou “eu te amo muito” e beijou-a na testa. Todos ficaram de pé e aplaudiram. 
    Ela na sua cadeira de rodas, estufou o peito, aprumou os ombros  com orgulho, em tom emocionado disse: Nunca ninguém tinha me dito “eu te amo”. Fiquei a semana toda com a voz dele ecoando no meu ouvido: eu te amo... eu te amo... eu te amo... eu te amo... - foi a primeira vez na minha vida que eu ouvi esta expressão dita para mim. É mais do que remédio para as dores, tive vontade de gritar de tanta alegria, me senti uma jovenzinha correndo feliz para os braços do seu amado. 
   E vovó Ridane continuava. Ouvi nas novelas de rádio, de televisão, jamais pensei que era possível alguém dizer estas palavras com enlevo e de verdade. Os homens do meu tempo foram treinados para engolir o choro, esconder os sentimentos, olhar com olhos severos e serem brutos insensíveis, pois corriam o risco de serem chamados de maricas... Sentiam por baixo dos panos não expressavam seus sentimentos nem seu prazer com receio de ficarem reféns das namoradas, noivas ou esposas e perderem o respeito e a obediência delas. 
   O que vou dizer agora para vocês não é conselho é um pedido pela experiência que estou vivendo: falem muito “eu te amo”, para todas as pessoas e deixem que elas fiquem abrigadas no colo do encantamento do amor, como fiquei toda esta semana. Sejam generosos com vocês mesmos, não tenham vergonha de se exporem ao amor. 
    Na lápide dela está escrito “eu te amo”. 

 

 





Conto publicado no livro "Por trás dos panos" - Contos selecionados
Edição Especial - Janeiro de 2021

Visitei a Antologia on line da CBJE e estou recomendando a você.
Anote camarabrasileira.com.br/ptp21-010.html e recomende aos amigos