Maria Ioneida de Lima Braga
Capanema / PA

 

 

Pança e Pixote, uma aventura no Nordeste

 

Os dois amigos Gledson e Maiko, que cresceram no mesmo bairro e jogavam pelada nos fins de tardes, muito aprontaram juntos. Gledson, gordinho desde pequeno, era o “Pança” e Maiko, baixinho e franzino, ganhou a alcunha de “Pixote”. Até que as circunstâncias os obrigou a se afastarem por um tempo, e cada um tomou seu rumo. Mas, Gledson está de volta e resolveu fazer uma surpresa para o amigo. Encontra-o facilmente na feira, em sua vendinha de CDs piratas.
- Rapaz! Quanto tempo.... É você mesmo? Tá do mesmo jeito.
- E você também não mudou nada!
Foram logo estender o papo no bar.
-Tá casado, Pança. Tem filhos?
-Não!  E nada de filhos. E você...? Deixa eu adivinhar? Tá solteiro, aposto! Sempre disse que não ia casar.
- E não casei mesmo.
- Tô de volta, tenho um negócio bom para nós.
-Ah, não vem não, Pança. Tô fora.
- Cadê aquele bom Pixote que eu conheci? Não ficou frouxo não, né?  
-E para que banda dos diabos é mesmo que vais?
- Vais, não! Vamos para o Nordeste.
- Vamos nada! Da última vez, sei o que isso me custou.
A lábia venceu e partiram no outro dia antes do amanhecer, no primeiro ônibus rumo, sabe-se lá para onde.
- Aonde quer chegar? - Perguntou Maiko em viagem - já arrependido. Tudo ali cheirava a furada.
- Até onde o dinheiro der, depois a gente vê.
-Eu não tenho nenhum, já te disse, né?
- Relaxa, confia em mim.
Fechou os olhos e pendeu a cabeça. Só se deu conta que dormira, quando foi sacudido por Gledson.
- Acorda, vamos descer aqui.
A noite já caíra. Abordaram uma mulher que resmungou alguma coisa e sumiu. Depois de muito procurarem, finalmente, um letreiro, que mal se lia “PENSÃO BEM SERVIDO”. Entraram. No primeiro ambiente, uma lanchonete, e dava para ver, no final de um pequeno corredor, um homem que cochilava por trás de um balcão. Uma mulher atendeu e pediram um salgado e um refresco. Foram informados que estavam em Chapada Verde, interior pernambucano. A mulher sabia da vida de todo mundo e Gledson aguçou o faro. O homem dos fundos era o dono da pensão.
- Queremos um quarto – disse Gledson tomando a dianteira.
- Cama para o casal? – Falou o sujeito abrindo um sorrisinho irônico.
Depois de acertado a pernoite, o homem mostrou o quarto e entregou a chave.
- Só uma cama? Fala sério, Gledson!
- Fica frio, Maiko!
Maiko logo apagou. Só acordou no outro dia sem Gledson no quarto. Saiu pelo corredor e aguçou os ouvidos para entender um barulho que vinha de fora e na lanchonete ele também não estava.
Já na rua viu uma pracinha no centro da cidade, um aglomerado de gente e a voz, agora nitidamente, de um megafone. “Porque será que não ficou surpreso? ”. Gledson era o centro do cerco e ao vê-lo aproximar-se elevou mais a voz, “aqui, Severo, meu assistente". Maiko petrificou-se enquanto era quase arrastado para a roda. Gledson paramentado de turbante e veste de guru, apresentava-se como interpretador de sonhos. “Que cara de pau”, internalizou Maiko.
Depois que o povo dispersou com a promessa de que amanhã teria mais, Maiko teve que apertar os passos para acompanhar Gledson até a pensão. No quarto ele desfechou:
- Maiko, vamos ficar ricos, já puxando um bolo de notas do bolso. Isso aqui, é só o começo.
- Meu Deus, Gledson, você tá doido?
A missão no dia seguinte não foi difícil. O sonho de Joaquim, o feirante, teve como interpretação do Guru, que ele teria por aqueles dias um grande prejuízo. Maiko entra em ação, tropeça e cai, justamente, encima da banca do infeliz, quebrando tudo. A feira toda, porém, fomentou foi a fama do Guru. E, a roda na praça crescia.
- Isso não vai dá certo - alertava desesperado -  Maiko.
- Como não vai, rapaz, já deu! Você não abra o bico e faça o seu.
Gledson muito à vontade tratou de usufruir as regalias, convite para jantares e não pagava na feira. Depois de quase um mês Gledson chega da rua animado.
- Vista isso. – Era barba e bigodes postiços e uma túnica – você vai fazer uma visitinha a beata Catarina. É simples, interpretei o sonho dela, que receberia uma visita de um peregrino, trazendo a missão de arrecadar uma quantia para o fundo de um orfanato e caso ela se negue, terá sete anos de maldição.
E, Maiko, mais uma vez entra em ação e arranca todas as economias da pobre beata.
Guru agora só faltava ser carregado no colo. O feirante e a beata se encarregaram de espalhar tal dom.
Maiko, evitava exposição, mas também pegara gosto pela coisa. Naquela manhã, depois do “trabalho”, Gledson chega a pensão animado.
- Maiko, Maikozinho! Veja bem, garoto, a interpretação do sonho do açougueiro.  Ele vai flagrar a mulher com outro.
- Sim, e o meu na reta, né?
- Vê se não vacila, hein? Tudo tem dado certo até agora.  Precisava apimentar as coisas, entende?
- E como vou fazer? Esqueceu que todos já conhecem a minha cara?
- Aí que está, meu amigo, um bom disfarce!
E já tinha tudo que precisava para disfarçar o outro. Dessa vez foi brabo. Maiko correu com as calças na mão e por pouco não perde a vida, ante a fúria do açougueiro. A pobre Clotilde foi expulsa de casa e voltou para casa da mãe.
Pança estava se achando, já quase três meses de “burra na sombra”. Mas, seus dias estavam contados. Foram convidados para um jantar na casa do prefeito. Pança fartou-se e iniciou os serviços de interpretação. O prefeito ia mudando de cor à medida que seu sonho era interpretado. No outro dia, a polícia foi a pensão e levou-os presos acusados de roubo. Enfim, devolveram o suposto roubo, uma joia que fora plantada no bolso de Maiko, pagaram uma alta fiança e foram expulsos da cidade. Ganharam a estrada. Ora de carona ora a pé.
- Como diabos você interpretou o sonho daquele maldito prefeito?
- Sorte sua! – Disse Pança explodindo numa gargalhada – Você seria um promotor que o acusaria de desvio de verbas públicas. A merenda e a saúde, meu caro!
- Eu vou matar você! - E disparam na carreia estrada a fora. O mundo era deles.
Dizem que agora está havendo milagres lá para as bandas do Norte.

 

 

 

 

 

 
Poema publicado no livro "Muito moinho pra pouco Quixote" - Contos - fevereiro de 2018