Maria Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso / MG

 

 

Kikas



          A primeira nos foi presenteada. Uma calopsita cinza, domesticada, muito esperta e linda.  Era dengosa, assobiava perfeitamente o início do Danúbio Azul e posteriormente aprendeu O Passo do Elefantinho. Incrível como as músicas saíam afinadas e ela exibia em alto e bom tom. Também repetia o som de algumas palavras que fomos, aos poucos, lhe ensinando. Essa era a Kika que acrescentei um segundo nome: Kika Aparecida.
          Dizem que as calopsitas escolhem um membro da casa onde estão, para ser seu dengo. A Kika escolheu o meu marido a quem acompanhava fazendo de tudo para chamar a atenção dele, dispensando qualquer outra pessoa.
          Esse pássaro viveu em nossa casa durante anos e foi triste vê-lo indo embora. Numa manhã, a calopsita estava junto ao meu marido quando o telefone tocou. Ela se assustou e levantou voo. Fizemos de tudo para resgatá-la, mas foi em vão. Depois de alguns meses ficamos sabendo que ela fora encontrada por um senhor que ouviu os nossos apelos, mas não a entregou. Ainda bem que ela havia sido resgatada.
          Nesse tempo já tínhamos comprado outra calopsita igual à primeira. Recebeu o nome de Kika Maria. Trouxemo-la ainda filhote. Ela era diferente da primeira no comportamento. Elegeu a mim como sua preferida. Era brava e esquiva. Tentava bicar quem procurasse pegá-la sem que ela quisesse. Recusava carinho. Aprendeu a cantar o Danúbio Azul, mas era um pouco desafinada. Gritava muito quando o dia amanhecia, para sair da gaiola, onde se abrigava somente para dormir. Como a primeira, essa também vivia solta. Andava pelo fundo da casa e tinha seu cantinho preferido, onde ficava em companhia de uma vassoura velha que também ela adotara. Todos nós nos apegamos à Kika e tentávamos mimá-la sempre. Os animais, no nosso caso as calopsitas, tornam-se companheiras e as queremos para sempre.
          No entanto não é assim. A Kika Maria, depois de quase quatorze anos, como a primeira, fugiu.  Também se assustou com um forte barulho vindo de fora e, às minhas vistas, levantou voo. Chamei-a, mas ela não atendeu. Procuramos por todo lado. Alertamos a vizinhança, colocamos na Internet. Nada. Ela não voltou.
          Durante algum tempo cultivei uma pontinha de esperança de que ela retornasse, mas foi em vão.
          Não só as pessoas que passam pela nossa vida deixam rastros. Sei que as duas Kikas permanecerão em nossas lembranças como duas companheiras que nos deram e receberam muito carinho.

 

 


 



Conto publicado no livro "360 roteiros para um destino"
Edição Especial - Abril de 2021

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