Romilton Batista de Oliveira
Itabuna / BA

 

 

O muro e o mar

 

           

O muro ou a muralha que nos aparece como empecilho, impedindo-nos de atingir o mar, de alcançar à liberdade de sentir-se vitorioso em sua luta do dia-a-dia não é o muro das lamentações, mas o muro da falta de coragem que nos atinge por trás de nossos sonhos, embaralhando-os em cartas falsas de um baralho que é a vida que nos é dada para ser vivida e vencida, embora muitos não a vençam e sintam-se derrotados.
Há milhares de seres humanos tentando atravessar a ponte que dá acesso ao mar, mas não conseguem porque são barrados pelo muro de cristal e de diamantes pesados feito de um tecido inconsciente que amarga e dilacera o sentimento de quem quer dar o desejado passo mas tem medo de fazê-lo, pois falta-lhe coragem, decisão, confiança e fé. Uma parte de si está aprisionada a algo do passado que o escraviza, depositado lá dentro de seu mundo interior onde residem os signos que foram machucados e subtraídos do legado mundo exterior.
O muro e o mar! Muros só são feitos para impedir o caminhar de alguém afim de que não atinja o conhecido mundo que fica do outro lado, o “ouro livre” dos vencidos, o avistado e acessível mar ... Mas quem se habilita a seguir adiante tem que está firme sob a terra, saber como nela se deve pisar, pois a terra onde se pisa pode surpresas aprontar! Ou somos nós que a afrontamos e a decepcionamos!? É aqui que entra a experiência do bom vivente que deve reconhecer a Terra onde se pisa e logo adiante avistar as águas que o Mar segrega em seu leito e em suas bravas ondas a mover-se por longos caminhos desconhecidos. A Terra e as Águas! A Vida, a incógnita que carrega dentro de si mais esses dois novos encorajamentos. Uma guerra a ser vencida ou parcialmente vencida, pois, nem Ulisses pode viver para hoje falar de sua grande passagem heroica, sobrando-nos apenas ecos de sua fictícia vida, em espaços tecidos fios literários.
O Muro e o Mar, a Terra e as Águas só existem tão somente para os ávidos atravessadores, Homens que pensam pensantemente, Mulheres que amadurecem prematuramente, pois ao Homem lhe fora dado o começo da História: “E no princípio criou Deus a Adão”, e à Mulher deu-lhe o “escorrego” que fará o Homem abrir os seus olhos! Por isso, elas devem amadurecer prematuramente, pois a tragédia foi por ela anunciada. Mas se não fosse o aliciador, esta História seria diferente? Não entremos, pois, nesse mar de marasmos, dualismos, contradições e divagações pois já sabemos que o caos é o seu destino. Prefiro aqui reconhecer que ainda não sou maduro, pois há em mim uma história a ser contada, como todos estão criando vossas histórias por meio de seus ingredientes tecidos feito de dor, ameaça constante, guerra travada e equilíbrio constante para o devir inconstante. E o Muro está sempre a se levantar em todos os cantos do mundo, pois há sempre alguém que abandona os seus encantos para viver de outros enganos. E o Mar covardemente se distancia, pois ele não foi chamado, e triste fica de lá, sem nada a fazer, testemunhando a fraqueza daqueles que desistiram de lá chegar. Pobre Mar! Não! Pobre criatura que não conseguiu derrubar o Muro que ele criou pensando que foi o Outro que o construiu! E o Mar, distante, sorriu o riso de um vencedor sem vencido...
A Terra é rica e fértil em sua extensão. Nela tudo se passa, tudo acontece, tudo se vê de uma de suas janelas que ela não deixa transparecer, porque o sujeito que nela se faz morada ainda não a entendeu, pois é sobre ela que os homens pisam, comem, pensam, vivem e morrem. E ela não se sente completamente feliz porque não deseja alimentar-se de corpos insanos, corruptos, estragados, corrompidos por suas vãs ideologias, peixes podres que não souberam em vida pescar o que deviam pescar. Pescaram rancores, dores, melancolias, inveja, indiferença, desequilíbrio constante. Dirigiram suas vidas por violentas e maléficas ações, e aqui estão a sujar o meu sagrado chão. Homens como Salazar, Hitler e tantos outros que praticaram ao seu semelhante a tortura da destruição não mereciam estar a misturar em minha rica e sólida formação. É por isso que às vezes tenho ânsia e vomito em forma de vulcões, terremos e outras formas de manifestação. É tentando “expurgar” esses vermes que estão em mim que às vezes inocentes acabam morrendo, mas são bem aceites (falando no português de Portugal) em meu sacro solo porque, daqui eles partirão um dia e gozarão de uma nova infinita estrada...
Com o Mar não é diferente. Meu amigo está sempre a sofrer... pois ele como eu recebemos constantemente corpos santos e corpos insanos. Corpos às vezes jogados forçosamente por outros corpos que, em nome de um poder passageiro, cometem tais absurdos, e eu, o Mar que agora, tomo à palavra, cedida pelo amigo Terra, confesso que estou farto de tanta violência cometida pelo Homem no mundo. Lembro-me que sobre as minhas águas um corpo que lutava e defendia os direitos humanos fora jogado em lugares que habitam inocentes tubarões que se alimentam do que no mar existir, pois eles foram assim feitos. Enfeitam as minhas águas e as fazem movimentar por meio de seus corpos, juntamente com outros grandes e pequenos peixes-irmãos que não me faz sentir-me só, mas, infelizmente, eu, ultimamente, não ando bem, pois tenho recebido muitos dejetos, corpos inocentes, lixos humanos, restos de místicos seres que pensam que eu tenho poder para alguma coisa fazer. Pobres mortais! Obedeço também a quem os fizeram. Mas refiro-me àqueles que humanamente vivem, em respeito mútuo e em constante construção humana, principalmente quando se deixam ser levados pela doce magia da palavra que por meio da poesia e da rica narrativa de testemunho e de ficção, dão sentido à vida dos viventes na Terra.
Sob as minhas águas homens e guerreiras mulheres caíram e terão o mesmo fim que tiveram os demais seres que da mesma forma caíram no território de minha companheira e inseparável Terra, e foram tomados pela Força Maior, a Potência que me faz ser o que sou. Tenho recebido corpos que vale quanto pesa, pois passaram pelo mundo e por meio de sua travessia o mundo recebeu melhoras significativas, mas, infelizmente, também tenho recebido corpos que não vale o quanto pesa. Foram “bichos” ditadores e sanguinários que só fizeram o bom povo sofrer, e colocaram em prática sistemas como o que os humanos chamam de “colonialismo”, “autoritarismo”, “totalitarismo”, “coronelismo”, “absolutismo”, e tantos outros sistemas de poder que impediram o desenvolvimento do mundo criado por Deus para ser um lugar habitado por todos dignamente...
É por isso que às vezes tenho certos sintomas semelhantes aos dos bons seres vivos, quando diante da prática do absurdo, sentem nojos, e às vezes vomitam para se sentirem melhor. Assim também eu preciso “expurgar” os “sangues ruins” que sobre minhas águas são jogados e ao mesmo tempo “emergir” de mim a dor que tantos seres humanos causaram em outros humanos. Toda a minha materialidade existencial de ser, manifestada em sua extensão por meio dos lagos, rios, mares e oceanos estão a sofrer por meio da incompreensão do Homem que nos abatem constantemente. Não gostaria de ter esses sintomas, mas saibam que eles são causados pelas más atitudes dos próprios seres humanos. Por isso acontecem os maremotos, juntamente com os vendavais que em híbrido sofrimento – Terra e Água – abalam todo o ecossistema, destruindo vidas e aterrando territórios com toda a sua rica história e lugares de memória que ficarão para sempre cobertas por minhas inquietas vivas Águas.
Acredito que os muros da ignorância poderão ser derrubados, e todos poderão atingir os seus sonhos, rumo à liberdade divina. E um dia, a Terra beberá de novas Águas, Águas Sagradas do Mistério de Deus, e o Homem seguramente, livre da corrupção e da violência, e de sua prepotência e de seu individualismo, viverá ao lado da Fauna e da Flora sem nenhum perigo, porque da Terra o mal foi extinto para sempre... E o muro não existirá mais... E assim, todos viverão numa outra dimensão sobre-humana. A dimensão que só sentem os que deixaram ser tocados por esta “harmonia” que vem do Alto e nos torna humanamente imortais...

 

 

 
 
Poema publicado na "Seleta de Contos de Autores Premiados"- Edição Especial - Janeiro de 2017