Aldo Martin Sotero
Petrópolis / RJ

 

 

A poção misteriosa de Mãe Idalina

 

 

          
         Quando, enfim, conseguimos chegar, fomos informados que não havia médico no Tijucal da Conceição. Tampouco farmácia. O jeito seria encarar mais dezoito quilômetros em estrada de terra batida até Ibirité. Só que, talvez, Enildo não suportasse mais esse esforço. As dores eram cada vez mais intensas e ele não parava de vomitar. Isso sem falar na febre que, com certeza, naquela altura já passava dos quarenta graus.
         Uma senhora que nos acolheu apiedou-se do rapaz:
         - Leva o moço pra Mãe Idalina rezar, aqui todo mundo vai nela quando está doente. É logo ali depois do charco, numa casinha branca com jaqueira na frente.
...
         A velhinha percebeu a nossa chegada e veio depressa nos receber. Parece até que já sabia do que se tratava. Olhou pela janela do carro, franziu a testa e chamou com autoridade um caboclo que se escondia, preguiçoso, na sombra do alpendre:
         - Januário, ajuda o moço a botar o rapaz lá pra dentro, na esteira! Rápido!
         Enquanto ajeitávamos Enildo sobre o estrado de junco, a velhinha – Mãe Idalina – envolveu o pescoço com algumas guias coloridas, acendeu um toco de vela sobre uma mesinha que parecia servir de santuário no canto da sala, fez uma rápida reverência, foi em direção da cozinha, e voltou logo a seguir com uma caneca contendo alguma coisa que parecia água. Pediu que me afastasse. Levantou a cabeça do rapaz e ordenou que ele bebesse. Depois fez o sinal da cruz e levantou-se com jeito de quem acabara de cumprir sua obrigação:
         - Ele estava com nó-nas-tripas, mas agora já está bom! Quando quiser ir embora, pode ir. Não precisa nem procurar o doutor em Ibirité.
         Todo aquele ritual – ou terapia, sei lá – não durou mais do que cinco minutos. A verdade é que Enildo parou de gemer, parou de vomitar, e não demorou para se levantar do estrado, ainda meio zonzo, é claro. Mas não parecia mais estar doente. Parecia só cansado. O matuto preguiçoso havia voltado para sombra do alpendre e a velhinha nos acompanhou até a porta da sala. Precisava terminar de catar as favas para o almoço.
         Voltamos para o carro, e Mãe Idalina, de longe, simplesmente acenou:
         - Vão com Deus!

...

         Por via das dúvidas, paramos em Ibirité e decidi que Enildo devia consultar um médico. Contamos tudo o que tinha acontecido. Doutor Abraão – este era o seu nome – deitou, então, a caneta sobre o receituário, recostou-se na cadeira, cruzou os braços e com um indisfarçável sorriso de sabedoria atestou:
         - Você tomou a poção de Mãe Idalina, né?...
         - Tomei...
         - Então... não precisa mais de mim. Você já está curado, pode acreditar nisso!
         E depois de um breve silêncio:
         - A poção milagrosa dessa macumbeira vai acabar com minha clientela! Acabar no bom setido, é claro. Ela é danada!

..........

Nota: este caso fantástico e verídico aconteceu em dezembro de 1983.

 

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Seleta de Contos" - Edição 2020 - Maio de 2020