André Luiz Rodrigues Pinto
São João da Barra / RJ

 

A Atafona de outrora

 

JOÃO (85 anos): - Ah, como é bom morar em Atafona! Essa terra do Sol, do Farol, da Praia e do luar! MARIA (82 anos, esposa de João): - É verdade, João! Atafona não tem igual! Olha quantos anos estamos por aqui, felizes, contentes e com nossos filhos criados! JOÃO: - É Maria, quantos momentos bons e também difíceis vivemos por esses longos anos, na Ilha da Convivência. Lembra quando nosso primeiro filho nasceu durante os festejos de Nossa Senhora da Penha? Que sufoco! Naquela época não tínhamos luz, a água era tirada das cacimbas e o principal meio de transporte era carroça-de-boi ou canoa mesmo. A gente só tinha a luz das lamparinas à querosene, lembra, Maria? Aquele vento Nordeste cortante! MARIA: - Lembro sim, João. Também tinha o lado bom. O trem da Leopoldina Railway e este vinha trazendo, todos os anos para a F2esta de Nossa Senhora da Penha, muito fieis de Campos para Atafona! Era uma festa ver aqueles vagões cheios de gente, transbordando pelas janelinhas e com lencinhos brancos nas mãos a balançar! JOÃO: - Mas Maria, para a Festa de Nossa Senhora da Penha, vinha muita gente de barco pelo rio Paraíba do Sul também. Vinha até pelo mar, de tanta gente que dava na festa! Até do Espírito Santo vinham! Os peixes eram de graça para gente e para o povo! MARIA: - De acordo, João. Você lembrou bem, meu velho. JOÃO: - Quando nosso primeiro filho nasceu, foi o ano em que o desfile fluvial em louvor à Penha foi grandioso, lembra? Muitas embarcações enfeitadas com as bandas locais tocando lindos hinos á bordo, os fógos espoucando barulhos ensurdecedores e luzes coloridas ao cair da tarde. Lindo de ver. Em terra, muitas barracas vendendo de tudo e tinha até competição esportiva com jogo valendo dinheiro vivo. Pau-de-sebo era tudo de bom. Tinha também a área dos romeiros, onde ficavam acampados durante dias seguidos em tendas de campanha para aguardarem o dia da procissão! MARIA: - Lembro sim, João. Quando criança, ainda lembro das histórias de meu pai, da grande cheia do rio Paraíba do Sul, de 1906, que quase levou foz afora a nossa Igreja da Penha, não fosse a coragem dos coronéis da navegação da cidade que afundaram um grande casco de navio nos fundos do prédio para desviar o rio da igreja! A mesma foi salva pelas mãos da Virgem! JOÃO: - Foi o casco do navio “Aquidaban”, Maria! Aí você me fez lembrar também daquele acidente que houve com cinco operários que trabalhavam nos andaimes suspensos para reformarem a Igreja da Penha. Todos despencaram de grandes alturas, caindo toras sobre eles, mas a mão de Nossa Senhora da Penha os livrou da morte! Foi mais um milagre da Virgem! MARIA: - Foi mesmo! Todos dizem que foi interseção divina! A Virgem pôs as mãos neles! JOÃO: - Atafona tem muita história, Maria! MARIA: - Conta mais então, João. Quero relembrar tudinho, pois a minha mente anda esquecida. O tal do Alzheimer tá no meu rastro, lamparão tisgo! JOÃO: - Você... lembra... quando Atafona começou a ficar famosa por se tornar um balneário turístico? Lembra daquele povo chique que adorava jogar pôquer no Hotel Cassino? Uns saíam ainda mais ricos e outros só de cuecas. O Tal do caça-níquel era um inferno! Quanto movimento teve essa praia! Apareciam carrões de tudo o que era canto! Muitos atolavam em nossas dunas! Gostavam do chapéu do Sol! Dos banhos higiênicos. MARIA: - Pura verdade! A Praia de Atafona havia até levado o apelido de “Praia dos Campistas” de tanta fama que teve. Começaram a construir casas cercadas de varandas arejadas chamadas de “vilas” ou “vivendas” e a luz elétrica já havia chegado – um pouco fraca e sujeita à apagões constantes, mas funcionava. A rodovia estava sendo remodelada e já passavam algumas jardineiras da cidade de Campos dos Goytacazes para cá, trazendo muitos banhistas. JOÃO: - Quem imaginou que um dia ainda iam descobrir gás e petróleo por esses lados!!!  MARIA: - Não foi só isso não, João! Descobriram também a fúria do mar! Lembra quando o mar começou a invadir as casas dos pescadores e veranistas? Até o nosso lindo farol ele tombou! Num foi uma vez só não!!! JOÃO: - Como poderia me esquecer, Maria? Tombou também o posto de gasolina, o frigorífico, a cooperativa de pesca, tomou muitas ruas e... levou nossa casinha, nosso ninho de amor... MARIA: - Dizem que a fúria do mar foi por causa da Capela de Nossa Senhora dos Navegantes que foi construída de costas para o mar... será que foi, João ? JOÃO: - Sei lá..., mas construíram outra e agora ela está de frente para o mar. É o que importa, não é? O mar não chegou nela ainda! Ainda!!! MARIA: - Um mistério mesmo! JOÃO:  - Ah...,  mistério mesmo foi quando a comunidade do Pontal de Atafona viu uns caras com máscaras de chumbo explodindo o rio Paraíba do Sul ... Anos depois apareceram luzes que sobrevoaram o manguezal, que de noite virou dia! MARIA: - Cruzes, João, você acredida nisso  aimda?! Pare com isso! Está me assustando! Parece até história de Boitatá! JOÃO: - Mas todo mundo viu! Eu não estou mentindo! Centenas de pescadores! MARIA: - Mistério mesmo é a boca da barra, que dizem ter muitos navios de piratas holandeses afundados e com muitas moedas de ouro! Até um Conde Holandês acharam numa urna de chumbo! JOÃO: - Ninguém nunca descobriu nada, Maria. Mas Atafona tem muitos boatos sobre isso.  Até o médium Chico Xavier esteve aqui certa vez, em meados de 1960, e disse que o local tem energia! Vixe!!! MARIA: - Como tem! Olhe para a gente! Vivos e com muita saúde, graças ao banho de mar, a areia monazítica, ao vento nordeste e a proteção de Nossa Senhora da Penha! É tanta energia que tivemos até 10 filhos, meu velho!!!  JOÃO: - Sim, Maria! Mas o Conhaque do Milagre ajudou também, hehe! Somos cheios de energia para dar e vender!  E os nossos netos nascidos nesta terra, estão trabalhando no Porto do Açu, cheios de energia e esperança também! MARIA: - Amém! Ih, João, você me lembrou! É hora da missa de coroação de Nossa Senhora da Penha. Levanta já desta espreguiçadeira e vamos participar do louvor à Santa que protege à todos em Atafona! JOÃO: - Vamos, amor, vamos! Viva Nossa Senhora da Penha, Viva!!!

*Atafona – local místico e cheio de “causos e mistérios” . Fica na Foz do rio Paraíba do Sul no Norte Fluminense, no município de São João da Barra - RJ

 

 
 
Publicado no Livro "Seleta de Contos de Autores Premiados" - Edição 2018 - Setembro de 2018