Tiago Italo Ferreira da Silva
Quixadá / CE

 

A última página

 

Aquele gesto poderia ser estranho para quem de longe o visse. Haveria de esperar o próximo ônibus para o interior por mais algum tempo. Conferiu o bilhete para certificar-se da poltrona, é porque já tivera alguns problemas com a posse dos lugares daquele ambiente quase que inóspito. Viu que se tratava do lado da janela. Escolha sua, nada de acasos. A janela nos dá um conforto mínimo, pelo menos pelo fato de apreciar a paisagem e não ficar confinado nos olhares do corredor.
Aproximou-se de uma pequena livraria. Viu algumas coleções, gibis, livros. Fitou um exemplar cujas letras pareciam pular da capa. No meio de todos aqueles livros. Um romance. Pelo volume, tratava-se de um bloco que seria consumido em duas ou três viagens. Quis passar a vista pelas páginas. Viu resumo, tocou-o, tateou-o, supôs o peso, da obra.
A mochila que carregava incomodava um tanto sua postura. Descansou-a, já muito usada pelas infindas viagens à capital, no chão espelhado daquela rodoviária. Era professor. Queria mesmo algo para se apreciar durante o trajeto.  Não que na mochila levasse apenas roupas, até porque os livros eram sua companhia. E queria algo novo. Mais uma vez, pegou o livro, analisou o autor, olhou para o lado e enxergou outro romance. Colocou o que já estava em sua mão debaixo do braço, enquanto a mochila estava no chão, e alcançou o outro. Parecia um dilema. E ficou com os dois, um em cada mão. Apreciando os detalhes. Devolveu um à estante de origem, se concentrou somente no primeiro que apanhara.
Consultou as horas no celular, abriu a câmera e mirou-a bem na capa do livro. Mandaria ali uma foto para um amigo e voraz leitor. Queria uma opinião ou quem saber ostentar a aquisição. Enviou o registro. Logo depois, recebeu uma devolutiva do amigo: “Ótima leitura, só não cometa a insensatez de sempre, Berto. ”
Essa recomendação estava distante de ser realizada. Alberto estava ciente da sua intenção, embora seu amigo o dissuadisse naquela módica mensagem. Pelo menos uma tentativa. A resposta foi somente risos.
As horas já adiantavam e Alberto precisava ir até à plataforma destinada à partida do ônibus. Adiantou que iria ficar apenas com uma obra. Isso, aquela que parecia brilhar de tanta luminescência. Sacou do cartão de credito, o dono da banca questionou por que não levaria os dois, e Berto acenou só com um riso dizendo que não. O olhar do homem foi de compressão do não, e tudo ficaria bem.
Aberto guardou o cartão de crédito, apossou-se do livro, procurou a última página, levantou-o para buscar uma luz, enquanto os dedos espremiam a página com uma força que mais parecia querer tirar-lhe algo ruim. Mas Berto arrancou aquela página como querendo nunca saber o desfecho da história. E pediu ao dono da banca que a atirasse ao lixo. O homem da banca apenas observou o gesto sem nada entender, obedeceu. Página ao lixo. Já estava pago, era propriedade do cliente.
Na verdade, Berto não tinha um só livro cujo final fosse por ele conhecido. Todas as páginas últimas eram arrancadas, violadas. Por isso que jamais os emprestava. Para ele, cada história teria final trágico, infeliz, melancólico. Se as personagens sofriam durante toda a trama, talvez um destino as aguardasse como conforto ou castigo. E gostava sempre de permanecer nessa dúvida insuperável. O final, talvez, estivesse em sua própria imaginação. Ou quem sabe jamais lera um livro, pois sempre estava faltando um pedaço da história. Alberto nunca queria chegar até a última página.


         

 
 
Publicado no Livro "Seleta de Contos de Autores Premiados" - Edição 2018 - Setembro de 2018