José Manuel da Silva
Rio de Janeiro / RJ

 

 

Presença


                     

            Nunca gostei muito de festas ou reuniões sociais com muita gente. Especialmente quando não conheço ninguém lá. Sou tímido, então procuro um canto, fico beliscando alguma coisa e bebericando. Na falta do que fazer, passo o tempo admirando as mulheres presentes. Procuro não olhar muito fixamente, principalmente as que estão acompanhadas, por uma questão não só de timidez, mas também para evitar problemas.
            Naquela noite, minha pesquisa ocular recaiu em uma mulher que me atraiu a atenção por toda a noite, ou melhor, enquanto ela esteve por lá. Estatura mediana, branca, nem magra nem acima do peso, uns quarenta anos, cabelos longos, blusa branca com um generoso decote que deixava antever a curva dos seios e uma parte da renda do sutiã, saia preta pouco acima dos joelhos, salto alto, enfim, uma mulher linda e sexy e elegante. Eu estava sentado sozinho numa poltrona diretamente de frente para ela, que estava recostada num sofá ao lado de um homem que supus ser seu namorado ou marido, não sei bem por que, visto que não trocavam carícias, não estavam abraçados, mas conversavam animadamente, sorriam e interagiam com outros convidados que estavam em pé próximos a eles.
            As pessoas de pé facilitavam meus olhares direcionados à mulher; eu a olhava por entre corpos e pernas e braços, ora fixando minha mirada em suas pernas, ora em seu busto, ora em seu rosto... Que mulher! Após alguns minutos, percebi que ela me olhava também, aproveitando-se, assim como eu, da cerca humana que permitia que nos olhássemos sem que notassem. Seu olhar era penetrante e desestabilizador; sempre que nossos olhares se cruzavam, eu sentia algo percorrer meu corpo. Às vezes pegava um copo de champanhe com algum garçom que passava, um salgadinho, mas imediatamente voltava a procurar o olhar daquela mulher que estava mexendo comigo.
            Raramente isso me acontece em lugares públicos, mas já sentia uma ereção razoável por baixo da calça. A situação piorou quando a vi descruzar e cruzar as pernas lentamente, o que me permitiu constatar que estava sem calcinha. Minha reação foi imediata, e me senti mais rígido e com meu desejo aumentado. Não imaginava o que poderia acontecer. Como disse, sou tímido, e dificilmente teria coragem de me levantar e ir até ela. Será que ela ousaria vir até mim? A partir daquele momento, seus movimentos de descruzar e cruzar as pernas aumentaram de frequência, e – o mais excitante – a cada movimento ela me encarava mais intensa e demoradamente, para depois desviar o olhar e dar atenção aos que a cercavam. Em dado momento, descruzou as pernas e as deixou definitivamente afastadas no sofá, de modo que eu tinha acesso visual ininterrupto a seu sexo liso e bem delineado. Não é difícil imaginar que eu já estava louco de excitação.
            Quando eu menos esperava, e para minha decepção, ela e seu parceiro se levantaram, e os vi se despedindo dos donos do local e saindo pela porta. Não sei se a palavra correta seria decepção ou frustração, pois não fiz qualquer movimento para me aproximar dela, mas de qualquer forma, fiquei extremamente desapontado com o final daquele flerte tão intenso e ao mesmo tempo tão curto, pois não durara mais do que meia hora. Aparentando despreocupação, levantei-me lentamente e me dirigi à janela, em tempo de a ver entrando em um carro vermelho. Não posso jurar, mas tenho quase certeza de que ela levantou o rosto em minha direção, já com uma perna no interior do veículo e antes de colocar a outra dentro do carro.
            Nada mais me prendia à reunião, e por isso me dirigi aos donos do lugar, um casal conhecido, para me despedir. A dona da casa se despediu e foi atender alguém, deixando-me com o marido. Tentando não parecer muito interessado, sondei-o a respeito da tal mulher. Descrevi-a em detalhes e perguntei quem era. Para minha surpresa, ele não a conhecia. Apontei para o lugar onde ela estivera sentada e ouvi estupefato quando ele disse que nenhuma mulher se sentara naquele lugar durante todo aquele tempo. Instintivamente olhei na direção do sofá e havia dois casais sentados; ele disse que estavam lá desde que chegaram fazia umas duas horas. Sem entender o que se passara, despedi-me e desci. Quando passei pelo porteiro, perguntei por uma mulher assim e assim, que tinha saído em um carro vermelho. Sua resposta foi mais desconcertante ainda: nas últimas horas, nenhuma mulher tinha saído, só entrado. Desnecessário dizer que minha excitação tinha desaparecido completamente.
            Não consegui entender o que se passou naquela noite. Não bebera muito; portanto, não seria produto de exagero alcóolico. Alucinação? Se foi, foi a primeira vez; nunca passei por algo parecido. Acontecimento sobrenatural? Uma visão? Não sei. O que sei é que foi algo inexplicável, mas até hoje lembro daquela mulher com um misto de carinho e desejo; é como se sempre a tivesse conhecido. Chego a imaginar seu perfume, seu cheiro de mulher, sua voz sussurrando conversas íntimas em meus ouvidos... Desde então ela povoa meu imaginário sensual, e muitas vezes a visualizo detalhadamente em meus namoros solitários. Aparentemente, ela nunca existiu, mas quem sabe um dia a (re)encontro. Vai saber.


 




Conto publicado no livro: "Sortilégios"- Edição 2021
Fevereiro de 2022

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