Maria Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso / MG

 

 

 

Relato de uma árvore tombada

           

          Zum...um...um... O barulho ensurdecedor do motosserra ecoa em grande parte da mata. São os trabalhadores extraindo madeira. As altas árvores caem num som seco: bum! Parecem estar gritando a dor do tombo. As folhas se desprendem dos galhos e se espalham no ar qual chuva verde.
          Ficamos tombadas no chão por pouco tempo. Outros homens chegam e nos desgalham com seus machados afiados. Nossa seiva, qual choro meloso, se espalha pela terra seca. Viramos enormes troncos pelados e roliços. Colocam-nos em grandes caminhões e adeus mata. O futuro é incerto.
          Depois de uma longa viagem o nosso destino é traçado. O caminhão para num pátio e chega um desconhecido dizendo ao motorista: - Que bom que chegaram à madeireira. Estávamos precisando de matéria prima para móveis e construções.
          Então de árvores passamos à madeira. Será que viveríamos para sempre nesta madeireira? Eu não sabia o que era matéria prima, mas foi por pouco tempo. Logo descobri. Depois de alguns dias ao sol, algumas de nós eram levadas para grandes barracões e, mais uma vez, uma serra com seu barulho estridente nos transformava em pranchas.
          Vinham pessoas de vários lugares para nos comprar. Elas nos olhavam examinando e querendo as mais perfeitas. Separavam algumas e nos levavam para outros barracões. Certo dia, como já era esperado, eu também fui levada dali.
          Novamente fomos entregues a outro dono que nos recebeu e nos empilhou num canto da marcenaria. Estávamos nas mãos dos marceneiros. Neste lugar tinha muita poeira e o barulho das máquinas era alto demais. Percebi que éramos partidas de diversas maneiras.
          O marceneiro nos cortava, media, juntava um pedaço a outro usando cola e pregos. Aos poucos éramos transformadas em diferentes peças: armários, mesas, cadeiras, camas, bancos e muitos objetos mais. Tinta ou verniz eram passados sobre nós e, modéstia à parte, como ficávamos belas!
          Mais uma vez nova viagem. Desta feita fomos levados para lojas muito bonitas em várias partes da cidade. Os donos destas lojas nos colocavam bem expostos para que todos nos vissem. Chegavam os compradores e, aos poucos, nos separavam e íamos para destinos diferentes.
          O meu dia chegou. Um casal entrou na loja, aproximou-se de mim, deslizou suas mãos na minha superfície e gostou do que viu. O rapaz deu uns toques em mim com a mão fechada e disse: - é madeira maciça, da boa. A moça abriu minhas portas e gavetas e concluiu: - gostei, vamos levar.
          Dali me transportaram para uma casa. Finalmente uma morada definitiva. Fui colocado numa saleta bem elegante. Senti-me confortável naquele ambiente. A moça passou um pano seco em mim e senti que estava sendo acariciada. –Pronto, disse ela, está limpinho.
          Devagar, vários objetos foram colocados dentro de mim: muitos livros, computador, papéis, enfim de tudo um pouco. Quando eu já estava lotada, minha dona falou: - Este armário me foi muito útil. Serviu para colocar ordem aqui em casa. Fiquei feliz por estar sendo tão apreciada.
          Até hoje, e já faz muito tempo, ainda moro na casa. Espero que as minhas companheiras madeiras tenham tido um destino tão bom quanto o meu. Sou bem tratada, mas de vez em quando sonho e sinto saudades de quando eu era uma árvore viva, alta, imponente naquela mata distante.

       

 


 




Conto publicado no livro "Sonhos parados no tempo " - Contos selecionados
Edição Especial - Novembro de 2020

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