Denise Pinheiro Mourão
Belém / PA

 

 

Psirico, o labioso

                

  Certa vez, ao cruzar a Avenida Pedro Alváres Cabral, senti a mão de alguém abrir minha bolsa, com receio fiz que não sentia nada. E logo "seu" Psirico passava à minha frente com minha carteira, eu surpreendi-me: -  Seu Psirico, devolva minha carteira! Ele desacelera os passos, e devolve a sorrindo, foi uma brincadeira, fessora! - E antes que eu respondesse, ele sumia disperso em meio à multidão.
   E como poderia supor que o seu Psirico, que todo dia ia à creche Casulo, no final da tarde, pedir uma merenda. E sempre solícita nunca neguei o pedido do mesmo. E ele chegava sempre amuado, fingindo-se triste , eu indagava:
- Que foi seu Psirico? Está tão triste...
  Ele disfarçadamente, respondia-me. - É preocupação, doutora, tou desempregado, e quase fui preso.
Sabendo que lá vinha história, sentei-me num banco de madeira e pedi que o mesmo sentasse na outra ponta, ao meu lado.
   E em meios trejeitos com a boca, e torcendo a mão, começa a contar sua nova ação; as pessoas vão chegando e todos silenciam sentando a sua volta para ouvir a labiação do Psírico : -Doutora, tenho um cachorro ensinado, meu amigo há décadas, e quando o negócio tá preto, eu vendo ele pros donos do comércio, que me pegam com gêneros ( arroz, açúcar, salsicha, ovos e uma talagada da purinha). Mas a senhora sabe como é, a saudade bate e eu vou passando por frente da venda, uma semana depois...  E dou um assobio, e o Rei volta pra casa.
  Isso aconteceu uma dez vezes. Eu caindo em risadas, respondo:  - Mas isso não é desonesto? Ele retruca: - É craro que não, eu não chamei o cachorro, ele que vem atrás de mim porque quer. Aconteceu que o último que comprou o cachorro, mandou-me seguir e disse se eu não devolvesse o cachorro, mandava–me prender.
E eu, curiosa, não aguentava para saber o resultado dessa encrenca: - O que aconteceu? Ele finalizou: - Fiz um  acordo fui trabalhar pro perverso até pagar a conta.
  E o cachorro? Indaguei-o. Psírico coça a cabeça, pensa e diz: - Estou treinando para outra... Todos riem. Psírico recebe um prato de sopa quente, que toma sem reclamar e ao acabar, limpa a boca com as mãos, agradece-me e antes de ir embora, pisca e diz: - Fessora, a senhora não quer comprar um cordão de ouro, novinho?  - Ora, Psirico, vai enganar outro! Ele vai jogando beijos pro ar, as pessoas que estão por perto o cumprimentam, e alguém grita com um eco estrondoso: -Vai-te embora, labioso!

 

 

 
 
Publicado no Livro "Só sei dizer que foi assim..." - Edição 2019 - Julho de 2019