Romilton Batista de Oliveira
Itabuna / BA

 

 

Viajante do tempo

 

Quero agora escrever um conto feito de luz, magia e encanto que possa contar toda a agonia do povo que sofre sob o poder de um regime antidemocrático, tombado pela corrupção desde sua fundação. Quero, agora, fazer parte da história que pretendo narrar sob a mira de um som que perdeu seu sentido quando a letra o abandonou...
Quero ser o mandante general, o potente cardeal, o movente pensador, que, de sua janela descolonial, pretende dar fim ao imperialismo colonialista que enfraquece o sonho do pescador, a dança do operário perdedor, o grito dos excluídos a protestar, o desmonte criativo do digno prosador que narra a ópera teatralizada por vozes marginalizadas. Quero não mais assistir a nenhum jornal vencido, apodrecido e vendido por poucos contos de rés...
Quero caminhar na beira do mar, passar pela beira da ponte e fazer versos com a pintura do bom desenhista que acaba de cantar com o seu amigo menestrel a letra que fala de um povo vencedor. Quero mais metáfora em minha escrita, metáfora do desassossego, metáfora da transformação. Quero nela transgredir meu imaginário e não mais ser prisioneiro de uma colheita que por mim não foi plantada...
Quero ser o personagem protagonista que deslizou de seu predestinado destino e preferiu percorrer a estrada que a história lhe negou... Quero ser a esperança que abre a janela na busca por um novo horizonte que traga de volta o sonho que eu não pude realizar... Quero enxugar meu pranto, levantar de minha queda e percorrer a estrada que me fez tombar... E simplesmente dar um passo adiante, longe da mesmicidade e fixa identidade que aliena o ser em sua precariedade.
Quero não mais vingar de meus inimigos porque eles, por serem o que são, já carregam em si, o tormento de serem o que são: incompletas criaturas, feitas de melancolia, avareza e monstruosos tecidos empedernidos e cruéis. Vivem sem sentido. Jamais serão tocados pela leveza que sentem os poetas desse tempo corroído por ventos movedores... Por “ventos” que foram, no passado, interrompidos por um insano poder centralizador e dominante, entregue em mãos de partidos bestiais e coloniais.
Quero, na querência repartida, dividir meu canto com aqueles que caminham pelas águas do mar sem nele tocar porque são pescadores do tempo, pescadores do vento, pescadores de vida... São viajantes que não se cansam de travessias porque enfrentam, em seu dia a dia, a infinita alegria de ser levado pelo devir poético, sangrado pela letra narrada por histórias de homens e mulheres que transcenderam o tempo e marcaram, com suas perfeitas cicatrizes, a nova história que só pode ser contada, acompanhada por um som de violão, interpelada por vozes que a História só conhece porque antes a Poesia, em sua movente potência de criação, conseguiu em si, carregar o sentido de todo um imaginário simbolicamente humano...
Na viagem, o navegador arriou o seu barco. Na viagem, o pescador descobriu o desconhecido. Na viagem, o poeta registrou o verso que escapou de sua fixa morada. Na viagem, ventos deslizaram, pontes foram desfeitas, homens foram construídos, histórias ressignificadas... Na viagem, memórias foram escavadas, linguagens foram recriadas, corpos foram encontrados, caminhos encaminhados, sonhos realizados... Na viagem, do riso fez-se o pranto, do distante fez-se próximo, do desconhecido fez-se conhecido. Na viagem, tão somente na viagem, fez-se o viajante do tempo.

                       
 (Ao amigo Corbulon, referencial relevante da educação itabunense)

 

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Textos de Grandes Autores" - Novembro de 2017