Maria Ioneida de Lima Braga
Capanema / PA

 

 

O segredo

 

As novidades naquela cidadezinha de interior eram sustentadas através de rodinhas de comadres que se juntavam para fazer fofocas.  Quando se via um grupinho numa esquina, na frente de casa ou às janelas, já viu, o papo ali era só a vida dos outros. “Soube da mulher do açougueiro? ” “E do filho do prefeito”? “Ouviu falar da última do Germânio”. “Mentira! O que aprontou dessa vez o safado? ”. E assim ia... De Cheirosa, para Marieta, que falava para Dora, que falava para o marido, que falava na pracinha no jogo de dama e Zequinha falava no trabalho e Sueli comentava na farmácia de seu Epitácio... E os boatos iam ganhando repercussão, extrapolando e antes de um esfriar, outro já surgia.  Cheguei naquele lugarejo por volta do ano de mil novecentos e noventa. Logo me aliei a Miriam uma fofoqueira de escala maior. Com o tempo pude ver que dentre tantos fofoqueiros salvava-se um, Rosivaldo. O tal sujeito nunca se metia com a vida alheia. Era cauteloso, sério, caladão, compenetrado. Chegou ao lugarejo ainda muito novo e já trazendo a mulher, Linda Luz e um casal de filhos. Acontece que o casal era sempre muito discreto, portanto, pouco visto em público, assim sendo, não havia espaço para os fofoqueiros de plantão e isso incomodava a cidade inteira que não cansava de farejar-lhe a vida a fim de encontrar algo que pudesse justificar aquele comportamento tão sombrio e reservado. Rosivaldo vivia de fazer bico, não media esforços para o trabalho, só queria garantir o sustento da família.
“E tanto fuçaram que começaram a desgraça! ”
O burburinho alastrou-se de que Rosivaldo tinha um segredo. Acabou-se o sossego do pobre homem. A novidade do tal segredo com os detalhes mais mirabolantes e escabrosos avançou por toda cidade como rastilho de pólvora.  E era o assunto da vez no salão de Marcela...
- Sabe da última? Falou Esmeralda - Descobri que o tal de Rosivaldo tem um segredo. Não se fala noutra coisa por aí.
-Não acredito! - Disse Florinda já parando a pintura dos cabelos de Dona Glória, mulher do farmacêutico.
- Eu sabia.... Eu disse que aquele lá não era boa bisca.
Gracinda entra na conversa.
-Meninas eu só acreditei porque foi Abigail que me contou.
Gorete, a manicure, continuou falando “.... Já pensou vir de São Paulo para cá? Só podia estar se escondendo”.
- Como assim, de São Paulo? – Questionou Weslley – cabeleireiro do salão. Ah, tadinha...Mona, não viaja.  Quem te disse isso?
O bonito de ver era o malfadado segredo correr de boca em boca, mas ninguém nunca dizia o que era. De onde partiu. Se fedia se cheirava. Eu perdia o sono numa agonia só. Mas, contentava-me com os poucos detalhes, pois cada um que se esquivava melhor, porém quem falava, jurava de pés juntos de que não era mentira, pois quem lhe falou garantiu que podia confiar.
Cidade pequena sabe como é... Rosivaldo por pouco tempo esteve alheio a tais falatórios.  Até que começou a estranhar a reação do povo cada vez que entrava num local público.... Estremecia ante aos burburinhos, os cochichos, os olhares enviesados, as indiretas, as caras viradas. Comentou com a esposa
- E você vai fazer o que? - Disse ela-.... É isso que ganha por ser idiota?
 O coitado que já não participava de nada mesmo, aí foi que se confinou dentro de casa. Se aparecia algum trabalho ia, mas esquivava-se dos olhares acusadores e saia de fininho.
Durante muito tempo aquele homem sofreu a tortura da maledicência, porém tinha o benefício da dúvida e mostrava inigualável indiferença.
Naquele fim de tarde Rosivaldo voltava do trabalho e aproveitou para entrar na barbearia de Venceslau, já quase vazia. Logo só restava eu e Virgílio o barbeiro que concluía meu cabelo. O infeliz assustado e desconfiado solicitou o serviço e assentou-se. Percebi em Virgílio certa ansiedade. O aperreio dele, todavia era procurando um jeito de falar do tal segredo, até que me despachou e saí, mas curioso como eu só me esgueirei e fiquei ouvindo.
 - Como vai Rosivaldo?  O povo dessa cidade perdeu o tino rapaz!
Que cara de pau, pensei. Ele era o pior de todos.
 - O que andam falando por aí, você sabe, né? - Continuou.  Eu esperei por esse momento para te contar. Eu soube e guardei a sete chaves, mas não é justo.
Opa! Isto muito me interessava. “Será que ele sabia mesmo? Finalmente eu ia saber mais?”  Pensei com falsa crise de consciência. Poxa, mas mamãe dizia que é feio escutar as conversas dos outros.... Dane-se. Não resisti; fiquei.
Três dias depois Rosivaldo pegou mulher e filhos e se mandou. Pouco tempo depois, correu a notícia de que fora visto numa cidade não muito longe dali, mas que se matou com um tiro na cabeça. Eu até falei para Miriam “Pobre rapaz, quanta injustiça. Você é testemunha, né? Eu não disse nada além do que ouvi de Virgílio naquele dia”, Mas, quem conta um conto aumenta um ponto... Cada um tirou a sua conclusão. “Não posso fazer nada ” Dizem que Rosivaldo antes de se matar foi visto saindo da igreja.... “Acho que contou para o vigário”. Mas, é o que eu digo “Ô gente linguaruda. Era segredo, natural que leve para o túmulo”.

 

 
 
Poema publicado no livro "Textos de Grandes Autores" - Novembro de 2017