Helena Maria S. Matos Ferreira
Guapimirim / RJ

 

 

Crônica notívaga

 

      

Um desprezo total do sono por mim. Deu-me as costas e foi embora. Fiquei remoendo uma vontade enorme de correr das aflições e das recordações.
Levantei-me, pois, e fui até a geladeira. Se de repente eu ficasse prisioneira em domicílio, certamente sentiria fome, ou melhor, passaria fome. Lá no fundo da branquinha achei uma maçã, já meio murcha.
Comecei a comê-la e imaginei a penúria que há no mundo. Quantos dariam até a vida por uma dentada nessa fruta. Será que foi o desespero existencial que afastou para longe de mim o que mais preciso neste momento? A paz que o sono me traz? O consolo de poder dormir e até sonhar?
Atualmente se fala tanto em buscar nossos sonhos. Não olharmos para trás; não nos preocuparmos com aquilo ou com aqueles que nos tiram a serenidade. Será esta a nossa verdadeira meta? Não seria mais proveitoso ajudarmos alguém a realizar seu sonho?
O que é o sonho? Uma fantasia? Por que utilizam tanto essa palavra no momento? Será que é para superar o desgaste do significado de uma outra que reinou por tanto tempo – objetivo?
Mas objetivo lembra objeto que é substantivo concreto. Então o sonho que é mais abstrato, lembra-nos o substrato.
Que coisa mais esquisita que é uma insônia. Acho que vou retornar ao leito e sonhar com um prato cheio de sonhos recheados com aquele creme amarelo recém-saídos da cozinha de uma confeitaria e expostos na vitrine. Pronto: sonhos concretos, bonitos e saborosos. Amanhã, que já é hoje, pretendo abastecer minha geladeira. Um bocejo indica que o meu querido amigo retornou.

 

 
 
Poema publicado no livro "Textos de Grandes Autores" - Novembro de 2017