Helena Maria S. Matos Ferreira
Guapimirim / RJ

 

 

O Ipê cor-de-rosa

 

O sonho de ter um sonho, de vê-lo realizado. Mariinha queria desde menina ter uma família. Fora encontrada embaixo de um ipê florido, cor-de-rosa no meio de um tapete de pequenas pétalas. E ela era um bebê muito lindo. Assim disseram as pessoas do orfanato que a acolhera. O nome Maria das Flores teve origem na sua própria origem. Ninguém sabia como fora parar embaixo daquele ipê. Cresceu juntamente com outras crianças com histórias parecidas, mas não tão bonitas como a dela. Mariinha, assim a chamavam, era muito feminina e formosa. Tão formosa que as mulheres que lá chegavam com seus maridos a fim de adotar uma criança, sentiam receio de adotá-la, pois já a imaginavam moça, elegante e sedutora. Poderia roubar-lhes o marido, o pretenso pai. Preferiam as mais feinhas, sem muita graciosidade, que não lhes oferecessem perigo futuramente.
E assim a pobre e linda pequena cresceu no orfanato sem chances de realizar o sonho de viver em um lar. Aluna aplicada e inteligente aprendeu tudo que lhe ensinaram, inclusive as artes, a música, até um pouco de Inglês, Francês e Literaturas. Tornou-se uma linda mocinha e chegou a hora de ir embora do orfanato. Aos 18 anos teria de procurar sua vida, não poderia mais ficar naquele abrigo. Que tristeza! Maria das Flores não tinha mais casa e nem companhia. Arrumaram sua pequena mochila, inclusive com as roupinhas e a manta com a qual lá chegara, deram-lhe beijos, abraços, molharam seus ombros com lágrimas e empurraram-na levemente portão a fora.
E agora? Como proceder naquela situação? Uma cidade violenta, desprovida de solidariedade, repleta de pessoas desempregadas, sem muitas oportunidades e ela no meio daquele turbilhão. Aproximou-se de um shopping. Olhou, pensou e adentrou-o. Que maravilha! Luzes, vitrines, gente bonita e alegre. Em um canto, havia um chafariz jorrando água colorida; próximo a ele um banco envernizado e por trás um quadro que por destino tinha um lindo ipê florido, cor-de-rosa e pétalas jogadas pela grama com gotas de orvalho brilhantes. Uma pintura que mais parecia o momento e o lugar em que fora encontrada bebezinha. Só que ela conscientemente não sabia de tal acontecimento, mas o seu coração sim, pois, embevecida, sentou-se naquele banco, meio de lado e ficou a observar tal cenário. Uma senhora sentou-se ao seu lado e começaram um diálogo. Assuntos simples, do cotidiano, até que Mariinha falou de sua origem e do drama que estava vivendo: não tinha para onde ir. A gentil senhora deixou cair uma lágrima, seu rosto iluminou-se e um sorriso de alegria aflorou-lhe os lábios. Então, Dona Gisela, apresentou-se e disse-lhe que há algum tempo ficara sozinha, seus filhos mudaram-se para o exterior e seu esposo morrera em uma missão na África. Se Mariinha assim o desejasse poderia morar com ela, fazer-lhe companhia, acompanhá-la nas viagens e nos passeios pela cidade, ir ao teatro, ao cinema, enfim, ser sua acompanhante. Não precisaria cuidar dos afazeres domésticos, pois para isso havia uma serviçal de sua confiança. A jovem segurou-lhe as mãos e beijou-as, agradecendo a Deus por tão grande bênção. E olhando para o ipê florido no quadro pensou: é primavera e o meu sonho realizou-se! As duas saíram abraçadas. Maria das Flores e a senhora solitária, em direção a uma nova vida.

 

 
 
Publicado no Livro "Toma lá!!! Dá cá!!!" - Edição 2018 - Janeiro de 2019