Annulino Soares
Balneário Pinhal / RS

 

 

Guerreiro de um coração gigante

 

Era mais uma noite gelada daquele rigoroso Inverno do século passado, era também a estreia do Fusca Fafá patrulhando as ruas daquele bairro afastado e, naquele Fusca os guerreiros patrulheiros Cabo Canabarro e Soldado Teodoro. Naquele bairro tinha algumas indústrias, em uma  rua próxima existia um comércio, um pequeno restaurante, o proprietário era um senhor a quem tratavam por “tio Jeremias”. Aparentava mais ou menos cinquenta anos de idade, que morava junto seu comércio com a sua esposa; só os dois. Durante a noite as indústrias próximas fechavam, era durante o dia que o pequeno comércio do tio Jeremias funcionava, atendendo os operários das indústrias que faziam pequenos lanches. Jeremias tratava os patrulheiros como grandes amigos, sempre na noite, principalmente nas madrugadas geladas deixava o portão aberto ao lado do seu comércio e em cima de uma pequena mesa ficava uma garrafa térmica de três litros, com café preto, bem quentinho, para aquecer o peito e a alma daqueles guerreiros da madrugada.
Naquele dia o Cabo Canabarro e o Soldado Teodoro, após aquele rico cafezinho deslocaram no patrulhamento com o estreante Fusca Fafá e em uma vila não muito distante dali. Ao passarem por uma rua sem saída, lá no fundo um matagal com muitos maricás. Havia uma passagem, uma picada, que atravessava saindo no outro lado da vila e era comum  meliantes fugirem por ali durante a noite e, por obra do destino ou obra de Deus, o Cabo Canabarro falou para o Soldado Teodoro: “ vamos parar e dar uma olhada ali”.
 Chegaram até a cerca para examinar o entorno, nada viram e nem ouviram. Soldado Teodoro deslocou até o Fusca e quando o Cabo Canabarro se voltou para deslocar ouviu um chorinho e falou “acho que é gatinho novo” - ele gostava muito de animais, tinha dois cachorros e dois gatos em casa -  e disse ter visto um gato saindo do mato.  Disse inda “acho que alguma gata deu cria ali”. A cerca tinha quatro ou cinco fios de arames farpados, o Cabo Canabarro atravessou aquela cerca e foi em direção onde veio aquele som e ouviu novamente.  E gritou “é choro de bebê!”,  e avistou um volume branco no meio dos maricás.Gritou para o Soldado Teodoro trazer a lanterna e se arrastando para evitar os espinhos apanhou aquele volume, uma sacola de plástico com um recém-nascido enrolado em pano escuro.  Era uma menina. Cabo Canabarro correu até o Fusca, tirou seu capote e enrolou aquele bebê, informando o acontecido pelo rádio e deslocou para o Hospital mais próximo, observando que aquele recém-nascido não tinha nenhuma lesão no corpinho, apesar de ter sido jogado no meio dos maricás. No caminho para o Hospital, o Cabo Canabarro dizia, essa criança vai ser minha.
Cabo Canabarro acompanhou toda a internação daquela criança, inclusive pediu licença do trabalho para ficar mais perto.
Cabo Canabarro conseguiu a adoção daquele anjo que foi registrada com o nome de Jaqueline.
Se passaram uns anos e certo dia o Cabo Canabarro encontrou um colega que não via há muito tempo e relatou outro fato fantástico: “lembra do tio Jeremias, aquele senhor que deixava cafezinho para os patrulheiros, pois é, encontrei  ele abandonado, em uma praça, todo sujo, jogado, disse ter perdido tudo, onde tinha seu comércio era invasão e foi retirado de lá e sua esposa já havia falecido, levei ele para minha casa fiz um quarto com um pequeno banheiro nos fundos do meu terreno.
Alguns anos depois, tio Jeremias faleceu e contam que o Cabo Canabarro fez uma vaquinha para o enterro.
A menina Jaqueline se formou em Veterinária.
Cabo Canabarro - Guerreiro do Coração Gigante - foi um símbolo da solidariedade.

 

 

 
 
Publicado no Livro "Toma lá!!! Dá cá!!!" - Edição 2018 - Janeiro de 2019