Teresa Cristina Cerqueira de Sousa
Piracuruca / PI

 

 

A Fadinha Flip-flop

 
         

Muito longe, um rio corria ao vento da tarde, como uma canoa que desliza por águas conhecidas: vrupt-vrupt era o som de suas águas batendo na beira do rio. As árvores altas das margens recebiam em suas raízes o murmúrio das ondas da correnteza e saltitavam como quem ganha um banho fresco no verão do Cerrado.  
Um certo dia, quando as águas perdendo-se de seu curso chegaram até a margem onde havia um pé de jatobá – cujos galhos erguiam-se para a superfície das águas – a Fadinha Flip-flop, pequenino ser que morava ali com sua família, viu que um pescador havia saltitado de maa canoa e que ele, com um assobio que aveludava o vento ribeirinho, fazia uma fogueira em cima da pedra ao lado do tronco da árvore.
Seus olhinhos ovais ficaram mais escuros que o verde-lodo que lhes era natural: remexeram-se procurando algo interessante para ver no local em que estava (porque a presença do homem exercia um fascínio em sua curiosidade) e seus pés andaram por todo o cômodo de seu pequenino quarto... E não conseguiu se conter!... Teve de olhar para fora: o quarto ficava com uma janela na parte frontal da casinha – que era justo onde o homem se encontrava... Flip-flop deu uns pulinhos... Queria fazer algo para se distrair... Não! Ela desistiu e, naturalmente sendo um ser de poderes mágicos, sentiu as mãos também ficaram impacientes... E passou a se interrogar...
Que queria aquele homem? Seria um pescador? Com sua varinha de condão que mais parecia um risco de graveto desenhado num pedaço de papel, ela rodou a mãozinha no ar e disse:
— Flip-flop!... Quero surgir ao lado do humano.
 Sim. Ela se viu no chão perto da árvore. A saia do vestidinho ficou suja de areia, de uma cor marrom desbotada; mas ela não notou. A curiosidade de ver o que o homem fazia – mesmo que significasse levar uma bronca da mãe, já que saíra sem pedir – fez seu coraçãozinho acelerar de felicidade, e ela então caminhou para mais perto (para ver melhor).
O homem acocorara-se e com uma xícara de café – que fizera há pouco – depois bebera umas boas goladas e se deitara num papelão que colocara no chão para descansar.
Os passos de Flip-flop eram pequeninos e calmos, como um cascudo caminhando numa folha nova; pof-pof, pof-pof!... Um pouquinho mais... muito cuidadosamente. A fadinha com as mãos e pés e a curiosidade no pensamento subiu devagar pela alça da xícara...
Ai, ela caiu dentro da xícara!
E molhou-se com um restinho de café.
E quis subir, mas a saia do vestido estava pesada: grudada de areia com café.
Flip-flop já se via sendo descoberta. Embora não fizesse barulho, nem mesmo quando caíra – ela sabia que para realizar uma magia precisava falar o desejo.
Então, ela pensou e pensou: como se somasse dois mais dois e feliz encontrasse o resultado.
E, exatamente, quando o homem bocejou, ela pegou sua varinha, rodopiando a mãozinha no ar e falou assim bem baixinho:
— Flip-flop!... Quero estar na minha casinha.
Seria uma casualidade dizer que era hora do lanche da tarde? Pois se diga, que foi a verdade! Que maravilha! Flip-flop tomou um banho, trocou de roupa – tendo o cuidado de colocar o vestido no cesto de roupas sujas – E lá na cozinha ela apareceu com os cachos dos cabelos bem penteados e molhados!
Era mais uma tarde. Era mais um dia em que a curiosidade fazia uma fadinha sair de casa... Ou viajar na imaginação!
Na cozinha, com uma vista para o rio, Flip-flop tomou café em sua xícara pequenina... Ainda com pensamentos viajando...  

 


 




Conto publicado no livro "Vivendo e aprendendo " - Contos selecionados
Edição Especial - Dezembro de 2020

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