Romilton Batista de Oliveira
Itabuna / BA

 

 

Então, é Natal!

 
         

         Era véspera de Natal. E eu, dentro daquele apartamento, pela primeira vez na vida não sentia o espírito natalino que sempre senti nos outros passados anos. As ruas do centro da cidade estavam iluminadas. Apesar da pendemia, o comércio está bastante movimentado, mas eu, o narrador, inseguro, medroso e aflito com o aumento dos casos de covid-19 em minha cidade, não me sentia à vontade para fazer nada! Todos os anos eu desarmo a árvore de natal em novembro, e até o momento ela está empacotada, guardada, entre outros enfeites e luminárias coloridas. De repente, lá está a árvore, montada!
         Para mim, o Natal sempre foi uma data especial, repleta de alegria, renovação, entusiasmo e satisfação. Era a festa que realmente me contagiava! Sentia uma grande sensação de paz, completude e harmonia com a minha inquietude alma. Mas esse natal de 2020 é diferente! É um Natal sem luz, sem brilho sem alegria, pois milhares de vidas morreram e continuam a morrer diariamente... Os jornais noticiam a morte de pessoas importantes e de pessoas leigas do nosso invisível cotidiano.
         Natal era uma festa em que os trabalhadores, ao receberem seu décimo-terceiro, pagavam suas contas, compravam roupas e faziam uma grande festa familiar. Era, sem dúvida, a principal festa da família brasileira! Infelizmente, hoje, 21 de novembro, após o dia da Consciência Negra, que presenciou a morte brutal de um negro por policiais que não foram condenados à prisão, sofreram apenas pequenas punições! Negro que morre nesse país torna-se uma página virada do jornal! A imensa quantidade de notícias se espalha e os juízes, políticos, artistas e escritores se solidarizam com a vítima, depois tudo passa! O jornal noticia as atrocidades com o único intuito de promover audiência. Nas redes de televisão pessoas se pronunciam, dando o apoio à vítima que já não está entre nós. Utilizam-se da comunicação para produzir repetitivos discursos que condenam o racismo e o preconceito estrutural no Brasil, mas o que fazem, na prática, em sua vidas para amenizar e frear o comportamento de pessoas dotadas por essa incansável violência.
         O meu Natal, esse ano, será diferente! Passarei lendo sobre o preconceito e o racismo estruturante e situacional que faz vítima em todas as partes do Brasil e do mundo. Mas, pasmem, o vice-presidente Pedregulho deu uma entrevista informando que em sua terra não há racismo! As universidades, as ONGS e os movimentos sociais rebateram por meio de velhos discursos, expressando as velhas palavras de sempre! E os “vermes” se defendem como querem!
         Afirmar que na Brasilândia não existe racismo revela total falta de conhecimento. Vive no mundo da fantasia, Alice no país das Maravilhas!
         Como preparar a festa natalina, diante da pandemia que mata diariamente brasilandianos que são obrigados a estar expostos ao vírus, à morte, para, assim, não morrerem de fome. Por fata de consciência, muitos não usam máscaras, e quando as usam, as usam inadequadamente, adquirindo o vírus e vindo a ser hospitalizado e, desaparecem.
         O Natal para o narrador dessa história, interpelada por um espírito crítico, será um Natal angustiante, Natal sem ceia, Natal não-Natal, Natal sem natalidade, Natal em que os poderosos estarão em seus palácios protegidos, rodeados por uma farta mesa e por “escravos modernos” a servi-los!
         O Vatal para o escrevente narrador, personagem que está cansado de ver o que tantas outras pessoas não veem ou fingem que veem: o descaso do governo que administra a nação irresponsavelmente, ocultando a verdade ao povo que não consegue enxergar o óbvio à sua frente, e são muitos deles que, embora sintam na pele a dor do sofrimento de desemprego e da falta de assistência à saúde e segurança, continuam, cegamente, defendendo seu insano presidente! Mito, herói ou destruidor? Cegueira moral! Fatal!
         O personagem desta narrativa, ao mesmo tempo, narrador, nasceu numa pequena cidade de nome Corruptelândia, formada por pessoas que elegem sempre os piores candidatos para compor a câmara de vereadores. Corruptelância é uma cidade que possui mais de 120 mil eleitores. Muitos deles venderam seus votos por 50 ou 100 reais novos a candidatos que nada farão pela comunidade corruptelandiense.
         Moro perto de um rio que já alimentou muita gente, e que, hoje, não passa de um esgoto aberto, com doentes peixes a nadar sobre suas sujas e contaminadas águas. Não há nenhum projeto existente criado para despoluir o rio divisor territorial, pois ele divide a cidade em duas direções, conhecido pelo nome de Rio do Desgosto ou Rio Tabocas.
         Meu nome é Severino da Silva Pereira, tenho 55 anos, e nunca vi um prefeito ou um vereador que cuidasse realmente dos nossos principais problemas! Parece que esta cidade parou no tempo, como pararam também as pessoas que nela residem! Fantasmas do tempo devorados por sua estupidez e insensatez!
Assim, como devo comemorar o natal?! Triste e angustiado. Passei a minha vida toda, até a idade que tenho acreditando que esta cidade era a cidade do futuro, mas não foi. Jamais será. Também não é a cidade do passado porque seus governantes, legisladores e juízes nunca se preocuparam com a memória dessa sofrida cidade do Estado que, no passado já fora conhecida com o nome de um dos abandonados santos católicos, Santo Tabocâncio das Quedas, santo das causas abandonadas!
         Eu, Severino, cansei desta cidade, desse povo, dessa gente que facilmente permite ser enganada. Embora tenha pessoas boas, mas, infelizmente, a maioria perdeu a consciência de seu papel enquanto eleitor crítico e responsável por eleger pessoas capazes para ocuparem os devidos cargos. Isso não acontece! O povo elege homens corruptos que, de posse de suas posições, passam a defender seus próprios interesses, terminando o seu mandado ricos, opressores, macabros, egoístas, corruptos e individualistas. Enfim, insanos, medíocres e pobres de espírito! Fantasmas da pandemia anunciada!
         Chego à conclusão de que aqui não é mais o meu lugar! Vou-me embora para Covilhã. Lá serei amigo do Rei! Lá serei gente de valor! Poeta de luso pensamento civilizacional! Lá escreverei e serei lido pela hospitaleira gente! Lá dormirei mais tranquilo! Sonharei sem medo de acordar, pois aqui em Corruptelândia não se sonha, se morre de ódio, se morre de morte estrangulada por pessoas que te abraçam como amigas, mas, na realidade, são seus verdadeiros inimigos!
         Passarei o natal a tomar um bom vinho português que tenho guardado há anos, esperando que ele me transporte transcendentalmente para fora da violência que reside dentro do outro. Beberei, para esquecer do Natal, do Natal sem natalidade, Natal da fatalidade, aguardando desde já, que venha logo 2021 e traga de volta o meu verdadeiro, precioso e divino Natal!


 




Conto publicado no livro "Vivendo e aprendendo " - Contos selecionados
Edição Especial - Dezembro de 2020

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