Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

 

Meus oito anos

 
         

        Uniforme limpinho, bem passadinho. Uma pasta preta, tipo um baú pequeno de lata, eu carregava pela alça. Calçada com sapatos que conheciam um único caminho, o da escola, cabelos castanhos penteados com cachinhos e um laço de fita ao alto da cabeça. Lá ia eu nos meus oito anos de idade, estudar, aprender e alargar o meu conhecimento  sobre o mundo e as pessoas. 
         A vida para mim era difícil para quem via de longe e tinha uma vida fácil.  
         Por razões que eu desconhecia estava impresso na minha alma: - ser feliz. Lógico que houve inúmeros momentos de tristeza, de choro e de rejeição. Mas após as primeiras lágrimas eu conseguia reverter a situação e entrar em contato com a alegria que trazia junto a felicidade. 
         O meu livro de leitura já tinha andado pela mão de quatro irmãos antes de mim, como um troféu. 
          Ser infeliz por que? – Por que só tinha um par de sapatos, por que tinha a pasta mais ridícula do colégio, por que os meninos puxavam constantemente meus cachinhos, por que em casa a quantidade de tarefas era enorme, por que meu livro de leitura era esfrangalhado? 
         Ser feliz por que?  Com quase oito anos já estava na terceira série, por que era a primeira aluna da classe, por que ocupava o lugar junto com a professora, a primeira da fila (por ordem de tamanho) era a menorzinha,  por que amava poesia, por que era uma leitora nata? 
          Sonhava o dia em que o livro do meu irmão viria para mim. Como fiquei feliz com aquele livro já bem empastado de ter rodado por muitas mãos,  gasto e já cansado de tanto ensinar. Capa fina toda colada com durex, não lembro o nome do livro nem do autor. Mas lembro de uma lição que ficou para sempre na memória. O título era “Meus oito anos” do poeta Casimiro de Abreu. Só as duas primeiras estrofes. Li, reli, decorei. Se um poeta soubesse até onde pode chegar as suas poesias estendendo-se a qualquer leitor, independente da idade e do tempo, que loucura seria.

 
    Meus oito anos (Casimiro de Abreu) 
Oh! Que saudades que tenho / Da aurora da minha vida,/ Da minha infância querida / Que os anos não trazem mais! / Que amor, que sonhos, que flores,/ Naquelas tardes fagueiras / À sombra das bananeiras,/ Debaixo dos laranjais! 
*   *   *   *   *   * 
Como são belos os dias / Do despontar da existência!/ - Respira a alma inocência /Como perfumes a flor; / O mar é - lago sereno, / O céu - um manto azulado,/ O mundo - um sonho dourado, / A vida - um hino d'amor! 
*   *   *   *   *   *  


          Imaginava se aquele poeta, um adulto, sabia escrever o que uma menina de oito anos sentia era porque ser adulto era bom e a infância tinha que ser bem vivida para poder escrever com tanta sensibilidade. 
          Ser poeta é ser forte diante das adversidades e poemar, ser criativo nas situações engraçadas e rimar riso e  alegria, ser amoroso diante do amor e poetizar o amar, ser humilde diante dos leitores e emocionar.  


 




Conto publicado no livro "Vivendo e aprendendo " - Contos selecionados
Edição Especial - Dezembro de 2020

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