Denise Pinheiro Mourão
Belém / PA

 

 

A mulher que virava porco

                

 


     

Vamos chamá- láa de Maria da Ponte, era franzina, morena de longos cabelos e sempre mascava um fumo de cheiro e cor duvidosa. Ninguém ousava perturbá-la ou respondê-la, sua boca apresentava poucos dentes bastante desgastados, mas sua fala era recheada de pragas e insultos. Sua vida era de extremas dificuldades. Tinha três filhas.
As filhas maiores a abandonaram logo que puderam. Ela era de gênio difícil e sempre as agredia de forma violenta; a menor era deficiente física que a mãe alegava ser consequência de uma queda, mas que os vizinhos diziam ser resultado de uma surra.
Ninguém sabia sua origem, chegara muito nova e depois de frequentar vários cabarés da cidade, terminou fazendo vida na ponte, caçando seus clientes apesar do corpo nada atrativo.
Notava-se uma certa revolta em seu comportamento, não conhecia os pais de suas filhas, brigava com todo mundo, seu pequeno casebre ficava numa posição privilegiada na cabeça da ponte. A idade chegando, ela vai descartando a dita vida fácil, e se entrega a bebida e a mendicância, e ai de quem não atendesse seus pedidos, a cada praga proferida, ela descarregava toda tensão que possuía da vida miserável que tinha.
 Com o passar do tempo, os moradores da Vila, acreditavam escutar gritos de porco na ponte próximo da casa da Maria. Passaram a fazer vigília. A cada noite uma família ficava acordada com lampiões e nada descobriam... Relatos diversos, narram a figura de um porco enfurecido que colocava as pessoas que circulavam na ponte, em determinado lugar, a correrem perseguidos pela fera. Há também o episódio de um casal que retornava da festa, e viu quando uma mulher de cabelos compridos grunhia e se transformava em porco, o que causou a mudança dos dois do local, apavorados pela visão. A notícia se espalhou e foi conclamada uma reunião em que todos participaram menos Maria da Ponte.
 Os moradores decidiram então ficar escondidos e armados com um terçado para marcar o animal e assim descobrirem quem seria o porco. Consultado pelos moradores, o criador Lázaro amarrou seus animais na noite de sexta-feira, para que nenhum pudesse fugir ou ser acusado do ocorrido.
Eis que chega  sexta-feira, todos notam que Maria está agitada proferindo palavrões e jogando detritos em quem passa perto de sua casa, o cheiro exalado é forte, e quem sobe na ponte, num instinto tampa o nariz enquanto ela da janela gargalha e diz : - Que foi praguejado de pai e mãe?  Imundície, visagem...
A noite chega, todos se recolhem e mesmo com a festa no terreiro do Tio Rael, os moradores se escondem. Maria está desconfiada, onde estão esses lepreias? - Resmunga. Fumando desesperada vai à cabeça da ponte, é meia-noite, ouvem-se os grunhidos do porco, as pessoas saem  correndo para o local marcado, fazem uma roda e o porco está arranhando as tábuas da ponte, seus olhos ora vermelhos ora amarelos lembram uma brasa de fogo. O morador Cebola ordena: - Corta a pata e rápido antes que fuja. Corta-se, então, a perna do bicho que num pulo surpreendente passa entre todos e some no ar...    Pela manhã, Maria da Ponte, como de costume, vai pedir fumo na bodega do Valdo e todos notam sua perna amarrada com faixas, e indagada responde: - esses car... não me deixaram dormir, estavam atrás de um bicho, fui correr para olhar e arranhei a perna na ponte.
E em mistérios seguiu sua trajetória pela Vila da Barca, sabemos apenas que após sua morte nunca mais ouviu se falar da mulher que virava porco.

 

 

 
 
Publicado no Livro "Vox populi, vox Dei" - Edição 2019 - Agosto de 2019