Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

Eu tenho um poder mágico

                

 


     

 Com um canudo na mão apontado para o céu, ela assoprava com força e ria muito dizendo: - Agora faça um carneirinho.  Lisandra passava um bom tempo da tarde assoprando e comandando as nuvens e se divertindo. Numa dessas tardes a mãe aproximou-se dela devagarinho e ficou observando.  Intrigada, viu as nuvens obedecerem a menina. Ela achou incrível quando ela ordenou: - Quero cinco bailarinas dançando e gritou: – Agora! E nas nuvens apareceram cinco bailarinas que dançaram até a menina ordenar: - Muito bem! Podem ir.
       Sem saber como agir, que atitude tomar, então Dona Lia resolveu vigiar a menina o dia inteiro, sem interferir e discretamente.  E as atitudes da filha eram sempre comandar o que visse e achasse interessante.
       Certa manhã, a menina estava sentada num cantinho do jardim e dizia: - Marchar, virem a direita, virem a esquerda, pular, em fila um atrás do outro. A mãe vagarosamente aproximou-se e viu um batalhão de grilos que obedeciam as ordens dela.  Descansar, podem ir. E a tropa de grilos sumiu por entre as folhas.
       A mãe muito preocupada decidiu procurar um psicólogo. Explicou tudo para o profissional e ele pediu que trouxesse a menina para uma consulta.  Lia levou a filhinha Lisandra para ser diagnosticada pelo Dr. Manoel. A consulta durou mais do que o normal. Ele fez as perguntas de praxe e fez muitos testes. Ele queria ter embasamento para fazer um diagnóstico correto. Pediu que a mãe voltasse sem a criança numa próxima consulta. E assim foi feito.
        A senhora tem viajado, tem passeado, seu marido tem levado a senhora para sair?  - Por que estas perguntas doutor? - A senhora está precisando de umas distrações. A sua filha não tem absolutamente nada, se comporta como uma criança normal para a idade dela, não tem nenhum sinal de qualquer desvio de personalidade ou coisa parecida. Eu aconselho a senhora fazer um tratamento e eu posso indicar um psiquiatra que tem tido excelentes resultados com os pacientes.
       Lia, muito surpresa saiu do consultório sem saber que atitude tomar.  Não tinha ninguém em quem confiar. Resolveu ir à escola da menina saber do comportamento da filha. Ouviu que estava tudo bem com a menina e nada que pudesse preocupar. Era boa aluna e bem relacionada com os colegas da turma.
       Parou de reparar a filha e passou a sair mais, conviver com outras pessoas. Foi fazer um curso de pintura com um artista plástico. Seguiu os conselhos do psicólogo, mas não foi ao psiquiatra.
      Quinze anos de Lisandra, a comemoração foi num salão próximo a casa para ficar mais simples de organizar tudo. Já se passaram muito anos, mas é impossível para Lisandra esquecer o que aconteceu naquele dia.
       O salão desarrumado, mesas de pernas para ar, as toalhas empilhadas para serem colocadas nas mesas, as cadeiras num canto, o material para decorar o salão estava numas caixas, só faltava arrumar.  Tinha um pessoal contratado para fazer aquele serviço, mas estavam atrasados. A festa seria à noite e a mãe e a filha foram lá no meio da tarde para receber o bolo e os doces. Enquanto a mãe verificava os banheiros, Lisandra ficou no salão de festas.  Quando a mãe voltou levou um susto.  Mesas, cadeiras, toalhas, bolas e mais alguns detalhes estavam todos nos lugares. A decoração do salão ficou pronta em cinco minutos. Lia soltou um suspiro e perguntou: - quem arrumou tudo isto? Antes que a menina pudesse responder chegaram as caixas de doces.  A mãe conferiu tudo e fez o pagamento.  Levou o pessoal de entrega até a porta e quando olhou, a mesa de doces estava linda!
        Apreensiva, a mãe chamou a filha: - Senta aqui minha querida filha e responda: - Como é que você fez tudo isto?
        Mãe, eu sempre pensei que as coisas funcionavam assim. Que todos agiam da mesma forma. A casa estava sempre arrumada. A comida na mesa. A roupa lavada e outras coisas sempre prontas. Até que um dia, eu já tinha uns doze anos, você falou assim: - não vou poder levar você na aula hoje porque a Mariana não veio trabalhar e eu tenho que fazer um montão de atividades. Quer ajuda? Perguntei. Você não sabe fazer nada, vai estudar. E eu continue: - Mãe você não usa as mãos? Claro que uso, tudo que eu faço é com as mãos. E eu fiquei olhando como você fazia os trabalhos de casa. Era vagarosa e tocava em tudo, eu fiquei cansada só de olhar você.
          E a partir daí eu passei a prestar mais atenção às outras pessoas. E todos trabalhavam muito, iguais a você. A conscientização veio rápida, eu tenho um poder mágico.  Resolvi fazer estes “truques” ao meu favor e excepcionalmente quando não tinha ninguém por perto. No começo eu ficava muito preocupada, mas depois passou ser divertido.
       Hoje uso esta peculiaridade em situações muito especiais ou quando alguém precisa muito. Tenho medo que me achem louca ou passem a me estudar e nunca mais tenha sossego.
         Eu penso que tem muitas pessoas que são dotadas com qualidades distintas, mas elas devem ter as mesmas preocupações que eu tenho. Deixando bem claro que ninguém é melhor do que o outro por ter uma habilidade diferente. As pessoas ao redor não aceitam essas habilidades diferenciadas, e ainda fazem com que, quem tem uma característica incomum passe a não aceitar-se e ter medo de conviver de maneira favorável com as próprias emoções no que tange às consequências sociais. Ficando assim a fronteira entre o físico e o inexplicável cada vez mais complicada. Nem todos veem uma característica e poderes especiais no outro com bons olhos, e logo codifica e arbitra apontando como um ser perigoso “que tem parte com o coisa ruim”.

 

 

 

 
 
Publicado no Livro "Vox populi, vox Dei" - Edição 2019 - Agosto de 2019