Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

 

Névoa esvoaçante




     Sentada a varanda envidraçada no final da tarde, de olhos fechados meditando. Quando olhei a paisagem,  vi uma névoa densa que passava como se estivesse vestida para uma festa. Com um vestido cinza claro e esvoaçante com uma cauda enorme. Veio um sabiá pousou no galho da roseira e cantou rapidamente, dando um recado lírico, sacudiu as asas e foi embora. Logo após dois João de Barro pousados no poste em frente ao meu portão cantaram em dueto, abaixaram a cabeça como agradecendo aplausos e saíram. A névoa cada vez mais densa passava lentamente. Agora via-se quase nada, nada se mexia, nem uma folhinha. As casas, inclusive a minha, estavam literalmente dentro da névoa. Ela chega como um grande abraço amigo que vai envolvendo o cenário. Absurdamente um panorama apocalíptico! 
    Estamos morando aqui há pouco tempo. Já vivemos este cenário muitas vezes. Estamos bem perto das montanhas. Em qualquer estação: verão, inverno, primavera ou outono, bastando para isso a temperatura baixar bem e não ventar. Quanto mais frio e menos vento ela chega suntuosa. Para dirigir é quase impossível, vezes não dá para ver nem os faróis.  
     Na minha primeira gravidez precisei descer a serra para fazer um exame médico. Como já estava no oitavo mês, preferi descer de táxi.  No retorno no meio da serra fomos surpreendidos pela névoa. Ela ficou tão forte, que o motorista abriu a porta do carro colocou o pé no chão para ver as marcas na estrada. Parar é muito perigoso e seguir também é muito difícil. A névoa não tem hora e fica densa demais independente do horário do dia.  
    Quando eu fazia um curso na capital, uma colega de turma disse que queria conhecer a cidade. Marcamos que ela viria no domingo. Ela chegaria aqui às nove horas para podermos aproveitar bem o dia. 
    Eu estava bem preocupada, ela não veio. Tem pessoas que combinam tudo, a gente acredita se prepara e simplesmente a pessoa não vem. Você liga, pergunta o que houve e ela responde: - não deu para eu ir. 
     Às duas da tarde ela ligou. Estava hospitalizada, teve uma crise de pânico quando chegou pertinho da cidade. A névoa estava tão densa que ela começou a gritar desesperadamente, o marido teve que entrar numa estradinha no acostamento e retornar. Ela era uma sobrevivente da tragédia do Gran Circo Norte-Americano que pegou fogo em Niterói em 1961. No tempo ela era bem pequena, foi salva pelos bombeiros e perdeu os pais e os irmãos no incêndio. O marido dela teve que entrar no primeiro pronto-socorro que encontrou, ela ficou internada. Quando nos encontramos no curso ela decretou: - nunca mais vou na sua cidade. Se fizermos uma roda de conversa sobre a névoa aqui, teremos muitos casos interessantes. 
    Hoje revivi estes acontecimentos. A névoa é triste? – Nem triste nem alegre, é a névoa. 
A névoa é bonita? Não é bonita nem feia, é névoa. A névoa é assustadora?  - Não é assustadora, mas não é bom para caminhar.  Eu, como já estou acostumada, gosto de vê-la passar lentamente desfilando. Quando não dá nem para ver o desfile, fecho a varanda, vou para sala de estar, acendo a lareira, uma xícara de café ou uma taça de vinho.  Deixa eu ser feliz, curtir o tempo e local onde vivo. Eu amo esta cidade que tem uma beleza natural estupenda! 

 


 




Conto publicado no livro "Aquele abraço" - Contos selecionados
Edição Especial - Outubro de 2020

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