Otaviano Maciel de Alencar Filho
Fortaleza / CE

 

 

Inquilino felino


          

          Sua chegada à casa da vizinha foi repentina. Passos após passos foi adentrando e fazendo reconhecimento do local. Passou pela sala foi até um quarto próximo, logo depois caminhou em direção aos fundos da residência. Passou por um corredor que abrigava uma área de inverno, e, no caminho fez incursão em outros dois quartos antes de chegar à cozinha.
          Junto ao fogão se encontrava a moradora da casa que, naquele momento, preparava a refeição do meio-dia, e ao virar-se para pegar uma concha, de imediato notou a presença do intruso e foi ao seu encontro. Ele ficou assustado e se afastou para o canto da parede, e lá ficou.
          A mulher notando que o pequeno animal estava temeroso devido sua presença, foi se achegando cautelosamente e ganhando a confiança do felino e fez-lhe afagos na pequena cabeça, enquanto o mesmo rosnava de alegria. Tomando-o nos braços saiu da residência buscando saber de onde ele teria vindo.
          Na rua, percebeu que seu vizinho já estava à procura de seu bicho de estimação. Imediatamente ela apresentou-lhe o pequeno gatinho e contou-lhe que o mesmo havia adentrado sua residência. O vizinho agradeceu pelo préstimo e levou o animalzinho para dentro de sua residência.
          No dia seguinte o bichano fugiu e foi novamente até a casa da vizinha e lá ficou de prontidão. Os filhos da dona da casa imediatamente foram informar sua mãe da presença do gatinho. A mulher, que já sabia quem eram os donos dele, não se incomodou com sua presença e ofereceu-lhe um pedaço de peixe cozido que já estava preparado para o almoço da família. O gatinho comeu que “lambeu os beiços”. À tardinha ela avisou ao vizinho que o gato se achava novamente em sua residência. O morador pediu desculpas pelo animal estar causando incômodo a ela e o levou de volta ao seu lar.
          Acontece que nos dias que se seguiram o bichano não deixou de fugir para a casa da vizinha, deixando o seu dono sem saber o que fazer. Não queria amarrá-lo ou pô-lo em uma jaula. Resolveu conversar com sua vizinha sobre esta situação e ao encontrá-la iniciou uma conversa:
          - Não sei mais o que fazer com esse gato, vizinha. Ele fica miando a noite toda e quando é de manhã, logo que abro a porta ele foge, vindo para sua casa. – falou um tanto envergonhado.
          - Não se preocupe amigo, pode deixar ele por aí, não tem problema não! – Sentenciou ela.
          - A senhora gosta de gatos? – Perguntou.
          - Já criei três cachorros e eles morreram de forma trágica, então fiquei muito abalada e resolvi não criar mais animais de estimação, pois nos apegamos demais a eles e quando eles se vão sofremos bastante. Mas... por que a pergunta?
          - Bom, estava pensando em deixá-lo com a senhora, mas vejo que não está interessada. – Falou tristonho.
          Um mês depois o vizinho se mudou pra outra casa situada três ruas de distância da casa que ele morava. Nessa nova residência, o felino não se adaptou e, novamente, passava noites e dias rosnando, sem se alimentar.
          Nesse intervalo de tempo o esposo da mulher que o animalzinho insistia em ficar em sua casa foi fazer uma visita ao antigo vizinho e lá ficou a par da situação dele com relação ao pequeno animal.
          - Amigo, o Milu não come direito e está arisco desde o dia em que nos mudamos para cá, acho que está sentindo a falta da casa de vocês. – Falou em tom de brincadeira.
          - Acho que você está certo, vou falar com minha esposa e convencê-la a ficar com ele. - Disse o homem, despedindo-se depois de conversarem bastante.
          Já em casa falou com sua esposa e a convenceu de ficar com o gato, fato este que gerou a alegria dos filhos, que já estavam se acostumando com o animalzinho. Imediatamente foram até a residência dos antigos vizinhos para trazê-lo de volta e ao chegarem a casa o bichano imediatamente mostrou sinais de alegria quando os viu.
          O retorno ao novo lar em definitivo, fez com que Milu se sentisse alegre e satisfeito. Agora se alimentava bem e dormia tranquilamente o dia todo. Passou a ser querido por todos os integrantes da família. Dias, semanas e meses se passaram.
          Tempos depois a família adotou uma cadelinha que se encontrava abandonada na rua. Deram-lhe o nome de Kira. Milu fez amizade com ela e passaram a conviver em harmonia, desde que um não fosse provocar o outro! Kira passou a ser a nova integrante da família.
          Anos mais tarde Milu, em uma de suas “saidinhas”, não voltou mais para casa. Foram feitas buscas nas proximidades, mas não foi logrado êxito. Já se passaram mais de três meses. A família ainda aguarda seu retorno ao lar para que se preencha o vazio que ele deixou e que só não é maior porque Kira está “segurando as pontas”.
          Milu e Kira são exemplos de que não é porque perdemos algo na vida que devemos ficar desesperançados e desestimulados na busca por novas conquistas que nos devolvam a alegria e a vontade de viver!

 


 




Conto publicado no livro: "Casos de amor (e lambanças)"- Edição 2021
Janeiro de 2022

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