Júlio César Freid'Sil
Arraial do Cabo / RJ

 

 

Esperança



                 “Todas as cartas de amor são ridículas” - disse Fernando Pessoa através do seu heterônimo Álvaro de Campos. Teve ele seus motivos e hoje, depois de séculos encontro a sintonia perfeita com o poeta. Apesar de admirar o jogo das palavras, nos tempos atuais, na idade em que me encontro declinar-me a escrever uma carta de amor, certamente faz-me sentir o mais ridículo dos mortais. No entanto, o sentimento que pulsa em meu peito isenta-me da vergonha.
                Naquele dia tão marcante pra mim, dia do amor, eu senti algo muito diferente, como um encontro ou reencontro de almas. Não foi um encantamento natural pela sua beleza física, foi algo que transcende a lógica da azaração. A gente se aproximou e este sentimento só fez aumentar. Se eu tentei eliminá-lo do meu coração? Sim, mas não foram tentativas exitosas. Não sei se para o bem ou para o meu infortúnio.
                Nesses mil oitocentos e vinte e cinco dias nós colecionamos maravilhosos momentos. E em cada um deles eu confesso que mentia. Não queria ser apenas seu amigo e também nunca quis ter uma aventura apenas. Sempre sonhei uma grande história de amor entre nós. Fantasiei viagens, corridas, shows, intimidade. E ao mesmo tempo em que sentia algo para acontecer, uma mudança comportamental da parte dela me frustrava.
                Dediquei-me incansavelmente em me fazer presente tanto em versos, músicas, livros, presentes quase sempre personalizados, para mostrar o quanto ela é única e significa muito pra mim.
                Nossos caminhos foram cruzados por outras pessoas. Pelo menos da minha parte foi um equivoco que entrou para a pequena lista dos meus arrependimentos na vida. E quando vi sua foto com outra pessoa meu coração sangrou. Nossa! Foi difícil. Entretanto o destino nos colocou frente a frente novamente e pelo menos livres. Ela num processo mais demorado de cura, mas livre. E essa alma ingênua que me habita já tecia novos planos para o nosso encontro tão sonhado, o encontro de amor. Só que mais uma vez percebo um empecilho que não sei precisar, que dificulta em alguns momentos até a nossa comunicação.
                Enfim, como um bom pastor, cuido desse sentimento. Acredito nesse sonho sublime. Oro a Deus que ilumine nossos caminhos para que possamos alcançar uma correspondência tal que nos leve a permitir uma chance. Acho que o nome disso é esperança. Eu amo essa pessoa tão especial.
                Pensando bem, olhando-me assim no espelho e escrevendo para mim mesmo, consigo ter a dimensão do tamanho desse amor. Mas continuarei aqui. Talvez seja uma atitude covarde. Talvez seja mesmo ridículo. E seja melhor rasgar essa carta antes que numa empolgação juvenil remeta a ela. Isso. Melhor que seja uma carta não escrita, apenas pensada... Com amor.


 




Conto publicado no livro "Contos Selecionados"
Edição Especial - Julho de 2021

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