Jonatas Rubens Tavares
São Francisco do Sul / SC

 

 

Descolôres: um mundo noir

 

         
         -O que significa isso? – quis saber Dinalva assim que deu a tela por acabada – Mas o quê...?
As linhas, as formas, as sombras, tudo ainda estava ali, mas as cores... Bem, bastara um piscar de olhos: fora assim que elas tinham desaparecido.
        A artista plástica, que já não vivia um dia lá muito bom, contou o caso ao amante (no bom sentido, namorado não oficializado, pois não era casada), ao que Júlio (com “R”, espanhol)  sugeriu, como se fosse a coisas mais simples desse mundo:
        -Pinte de volta se a coisa toda te incomoda tanto – encarava a tela descolorida com alguma simpatia – gosto dela assim – opinou.
        -Vai que as cores somem novamente! – cogitou, temerosa, Dinalva – No mais, se eu pinto de novo, não será mais da mesma forma – fitou a tela tentando, em vão, sentir por ela o que Júlio (com “R”) sentia – Quero aquelas cores no lugar de volta! E tem que ser aquelas cores! – emendou.
        -Artista é tudo complicado mesmo! – concluiu Júlio correndo para a sala, para a TV.
        Antes de sair, a artista plástica teve a ligeira impressão de ver Júlio em preto e branco, mas, temendo por sua própria sanidade, decidiu ignorar o vislumbre.
        Uma vez tendo ganhado as ruas, atenta, passou a acompanhar movimentos, sons, odores, imobilidades, silêncios. Cores, essas (essa não!) não as via. Não mais! A cada passo que dava ia-se tudo empalidecendo até virar completo noir. O mundo, parecia, descolorira-se todo para facilitar a sua busca, decerto era isso(!): encontrasse cores, tinham de ser as suas danadinhas fugitivas.
        -A vida incolor é uma espécie de dor que ao luto perpétuo se iguala – sentenciou Dinalva, indiferente às pessoas que com ela topavam. Ao menos agora o tom da realidade, a sua paleta de cores, combinava com a tristeza ininterrupta de grande parte de toda aquela gente. O sol, lá em cima, tinha brilho, mas perdera a cor de suas chamas reconfortantes; o céu ainda era claro, mas jazia desazulado, um imenso deserto pairante inconsolado.
        -Você viu cores por aí? – na ânsia por elucidar o enigma, por findar o mistério, saiu abordando as pessoas, pendurando cartazes nos postes. Na vitrine da fachada de uma loja de roupas, a entristecida artista somente então deu por si: até mesmo as suas cores tinham se ido! Os olhos verdes, os cabelos loiros, as unhas multicores, as gotículas de tinta sempre sobrando nas mãos e antebraços... – eu já estava assim ou...?
        Correu para a loja de tintas, pediu licença (por educação) ao vendedor e saiu abrindo latas e mais latas, esparramando as tintas pelo piso, lançando-as contra as paredes, deslizando sobre elas (novo e artístico esporte!) rumo às ruas novamente.
-Amanhã eu pago tudo! – sorridente, avisou já longe, suas unhas, olhos e cabelos voltando à normalidade.
        As cores se tinham ido, mas as tintas ainda existiam! Estava decidida(!): Iria pintar o mundo... Ou morreria pintando.


 




Conto publicado no livro "Contos Selecionados"
Edição Especial - Julho de 2021

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