Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

 

 

Virtudes vivenciadas em Fachinal dos Guedes

 

           

         

Um lugarejo, dando os primeiros passos, ensaiando para ser  uma  cidadezinha, abrigando as famílias que chegavam, cheias de sonhos e vontade de vencer. Assim, era Fachinal dos Guedes nos anos 50.  Localizada não muito distante do Rio Uruguai, no Goio-En, passagem entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, feita ainda com a Balsa. Os caminhões antigos Ford 46, carregados com a mudança deixando para trás a saudade, o convívio familiar. Era tão alta a carga que parecia logo tombar. E, ainda lá em cima, os familiares acomodados de qualquer jeito, desfrutando da paisagem, dando adeus ao Rio Grande amado.
Alguns chegavam também de Chevrolet, caminhões de truck, pobre mudança, pobre gente mal acomodada em busca de novos horizontes, não se pode esquecer que traziam a vaquinha de leite, as galinhas, e sempre mais de um cachorro. Algumas famílias ainda tinham o gato de estimação.
No lugarejo, uma vila pacata, organizada em torno da Igreja de São João Batista e logo em frente o Clube Itagiba. Tudo novo, tudo para ser feito, com indícios de sucesso dando sinais que competiria com a cidade vizinha de Xanxerê, a qual pertencia.  Uma história muito parecida com as demais desse Brasil afora, porém com peculiaridades.
Os primeiros grupos humanos que habitaram a região do hoje município de Faxinal dos Guedes, pelos vestígios arqueológicos, foram os Índios Tupi-Guarani há mais ou menos 2.000 anos.
Ainda em 1910, era chamada "Gramado de Joaquina Rosa". As terras pertenciam a ex-colônia Militar, parte integrante do velho município de Chapecó, o antigo Território do Iguaçu.
Em1940, começaram a chegar as primeiras famílias de colonizadores, oriundos do Rio Grande do Sul. Colonizado por gaúchos, com predominância de ítalo-brasileiros. Só em 1942, quando foi considerada como sétimo distrito de Chapecó, recebeu o nome de Faxinal dos Guedes, alusivo à família Guedes Ramos, proprietária de terras na região. Até 1958, distrito de Xanxerê, quando aconteceu a emancipação.
A nossa família chegou em 1954. O pessoal do Moinho, assim chamado. O moinho de trigo com  5 cilindros, olaria,  terra com  chiqueirão de matrizes para a criação de porcos. E, nessa data a cidadezinha já tinha luz elétrica gerada pelo Moinho Santo Agostinho.  A rede pertencia a família França, Com seus queridos das famílias Fornari, Gehlen, Silva e Lange. O futuro se mostrava promissor.
Todos estudavam na Escola Professor Salustiano Antônio Cabreira, tendo como professoras as Irmãs Catequistas Franciscanas. Uma escola, a única, com as séries iniciais. As professoras alfabetizadoras Irmã Mercedes e Irmã Clara, guardadas no coração muito carinho.
 As crianças brincavam juntas. Iam à escola de uniforme azul e branco. As meninas com uma boina azul de feltro, na cabeça, e um tope branco pregado na frente, um charme especial. blusa, camisa branca de mangas compridas, com um bolso onde estava em azul, bordado a sigla da escola. A saia com pregas fininhas, bem abaixo dos joelhos, quase comprida, sapato preto e meias brancas, os denominados carpins,. Os meninos tinham calças curtas, alguns usavam suspensório.
Um tempo especial. Não era preciso fechar as janelas, nem trancar a porta era necessário, bastava encostar e tramelar. Todos se conheciam
Ainda era um tempo que se faziam arapucas, uma arte, tinha uma técnica especial, pois precisava ficar equilibrado num pauzinho, o pilar, que seria derrubado pelo pássaro quando vinha se alimentar. Não podia ser muito grande, se não na hora de pegar  ele voava  e ia embora feliz da vida. Era feita com gravetos que precisavam ser retos e firmes, amarrados com cipó ou galhinhos de guanchuma. Popularmente era a guanchumba. Com ela se fazia  vassoura  para varrer o pátio, bem como o forno de barro, para assar pão.
Os passarinhos eram muitos, rendiam uma boa fritada, com a saborosa polenta e uma salada, um belo jantar. O difícil era depenar os bichinhos.  A comilança, era feita no porão do Moinho.
Na época, eram coroinhas para ajudar o Padre Afonso Griebeler, nos ofícios  religiosos, entre outros, os meninos:  Dilson França Lange, nascido em Arvorezinha–RS e Teori Zavaski, nascido em Fachinal dos Guedes-SC.
Ainda, nesse tempo mulher não podia nem se aproximar da Mesa Sagrada, nas Celebrações. Mas podia sim, depois, para arrumar e limpar tudo. As Santas Missas ainda eram rezadas com o sacerdote, de costas para a assembleia. E, na Igreja determinado um lado para as mulheres com as crianças e no outro os homens. O Padre Afonso Griebeler, nomeado Pároco em 1955, pastoreou a cidade por 26 anos.
Ainda bem que isso é passado.
As crianças brincavam de carrinho de rolimã na descida do Moinho, Muitas vezes se equilibravam em apenas três rodas.  Uma destreza que se aprendia com a prática. Os filhos do pessoal do Moinho que eram França, Fornari, Gehlen e Lange brincavam com os da família Zavaski, Molinari; todos vizinhos.
. Depois de alguns anos, cada um tomou seu rumo. Deixaram a cidadezinha e, em outros lugares do Paraná e, do Rio Grande do Sul tornaram-se homens e mulheres de bem levando pela  vida os ensinamentos cristãos  e humanos de Padre Afonso e das Irmãs Catequista Franciscanas.
Foram colegas de aula, estudando no Salustiano Cabreira, na mesma sala, pois  nasceram na mesma época 47-48. Participaram dos desfiles de 7 de Setembro juntos, prestando homenagem à Pátria, os ensaios eram muito cansativos pois não podiam trocar os pés ao marcharem. E, nem fazer a curva da Avenida São João, de forma errada. A cobrança das Irmãs, não ficava para depois.
Frequentaram as Santas Missas, as coroações de Nossa Senhora, no mês de Maio. A Primeira Comunhão celebrada juntos, cheia de pompa realizada pelo Padre Afonso Griebeler, preparados pelas Irmãs Franciscanas. O jejum desde a meia-noite, mesmo para as crianças. Após a Celebração, um delicioso café com bolo, cuca, bolacha, proporcionado no Clube Itagiba, esse ficava em frente à Igreja.
A saudade, as lembranças povoam os que fizeram parte desse tempo.
Não se pode esquecer que juntos brincaram também de se esconder. Em dias de chuva, sem movimento, os cilindros não moíam o trigo e nem era descascado arroz, numa geringonça com uma correia presa ao descascador menos trabalho. Ou feito quirera. Só as baterias para o Rádio, sintonizado na Rádio Guaíba ou Farroupilha, ouvido pela família, eram brincadeiras dentro do enorme moinho, onde os adultos, Celestino Fornari e Arremor Lange participavam escondendo os pequenos.
Também com o bodoque, e um bocó para carregar as pedrinhas, caçavam,  subiam nas árvores cheias de cipó onde se embalavam até os galhos caírem. Jogavam bolinha de gude, uma façanha para acertar o búrico, feito com o calcanhar. Os dedos tinham calo de tanto rasparem no chão de terra batida.
Hoje, distantes uns dos outros, crianças que brincaram, estudaram e rezaram juntas, são Professores, Ministros, Empresários, Contabilistas, Engenheiros, homens e mulheres de bem contribuindo com seus saberes, com sua vocação profissional, para a grandeza do Brasil.
Bons tempos,  belas virtudes  vivenciadas em Fachinal dos Guedes, ficaram elas na memória.

 

 
 
Poema publicado no livro "7 Pecados Capitais"- Edição Especial - Abril de 2017