NESTA EDIÇÃO:
Nízia Floresta
Uma autora revolucionária

Edição nº 31 - 10 de Agosto de 2013

Fonte de referência de Literatura Brasileira para Novos Autores
Nízia Floresta Brasileira Augusta
 

Nízia Floresta
Papari/RN, 12/10/1810 - Rouen-França, 24/04/1885


"Nísia Floresta Brasileira Augusta foi a mais notável mulher que a História do Rio Grande do Norte registra". Assim, Veríssimo de Melo inicia o capítulo dedicado a essa brilhante potiguar, em seu livro Patronos e Acadêmicos, sobre a Academia Norte-rio-grandense de Letras. Lendo sobre Nísia Floresta diria que sua notabilidade não está relacionada apenas ao seu estado natal. Nísia foi uma brasileira das mais importantes.

Dionísia Gonçalves Pinto nasceu no Sítio Floresta, município de Papari (hoje Nísia Floresta), no Rio Grande do Norte, em 1810. Do pai português Dionísio Gonçalves Pinto Lisboa, herdou o prenome e o apreço pelo conhecimento. Da mãe brasileira, Dona Antônia Clara Freire, recebeu afeição e apoio.

No ano do nascimento de Dionísia, o lar da família foi visitado pelo inglês Henry Koster, que em seu livro intitulado "Travels in Brazil", de 1816, registrou sua surpresa ao constatar a presença da esposa do dono da casa durante a sua estada, quando das reuniões. Tal fato tão incomum na época dá mostras de que a família de Nísia não se apegava muito às tradições, o que deve ter norteado sua vida e seu trabalho.

Ainda menina, entre os 13 e os 14 anos, Nísia casou-se com um influente proprietário da região a quem abandonou, voltando à casa dos pais, em menos de um ano. Em seguida a família mudou-se para Pernambuco, onde a escritora enamorou-se e passou a morar com o acadêmico de Direito Manoel Augusto de Farias Rocha. Ali publicou seus primeiros artigos, discorrendo sobre a condição feminina, no Jornal Espelho das Brasileiras.

A autora já utilizava então o pseudônimo Nísia Floresta Brasileira Augusta, usando o diminutivo do seu nome de batismo e enaltecendo o sítio onde nasceu, o Brasil e o segundo marido de quem não pôde usar o sobrenome, em face da não oficialização da união.

Em Olinda o pai foi assassinado e Nísia seguiu para o Rio Grande do Sul, onde se estabeleceu junto com marido, os dois filhos, a mãe e as duas irmãs. O advento da Revolução Farroupilha levou a família a deixar o Sul em direção ao Rio de Janeiro.

Na corte, Nísia, já viúva, dedicou-se à educação fundando dois colégios, visando principalmente à preparação intelectual de meninas.
Foi no Rio de Janeiro que publicou Conselhos à Minha Filha, assinando como F.Augusta Brasileira; também colaborou com o Jornal do Brasil e o Jornal do Comércio, entre outras publicações.

Nísia Floresta tinha idéias e comportamentos avançados.Era abolicionista,republicana, indianista e, principalmente, feminista, quando essa expressão ainda nem existia. Talvez, a sua saída do país tenha ocorrido devido a sua postura insurgente contra ao status quo da época. Não havia espaço no Brasil da primeira metade do século XIX para uma mulher sozinha, expressando-se a favor da abolição dos escravos, da proclamação da república e ainda requisitando igualdade de direitos entre homens e mulheres.

Do livro "Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens", de 1832, foi pinçado o seguinte trecho que ilustra o inconformismo de Nísia Floresta quanto à situação das mulheres na época: "Flutuando como barco sem rumo ao sabor do vento neste mar borrascoso que se chama mundo, a mulher foi até aqui conduzida segundo o egoísmo, o interesse pessoal, predominante nos homens de todas as nações".

Imagine-se o impacto do texto acima numa sociedade absolutamente patriarcal, na qual as mulheres tinham a função primordial de agradar aos homens aos quais estivessem ligadas.

A ousadia de Nísia Floresta custou-lhe também o ostracismo nos registros culturais do Brasil por um longo período. Resgatou sua vida e a sua obra, o trabalho de Constância Lima Duarte, editado em 1995, na qual a autora esclarece, por exemplo, que, Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens - primeiro livro publicado pela escritora - trata-se de uma tradução livre do livro da inglesa Mary Wollstonecraft.

Segundo Constância Lima Duarte, Nísia criou uma obra nova a partir do texto da feminista inglesa, enfocando a situação da mulher no Brasil, os preconceitos e dificuldades enfrentados, ao mesmo tempo em que desmistificou a supremacia masculina.

A coragem e o pioneirismo de Nísia Floresta levou-a, com os dois filhos, à França, capital do Iluminismo, justamente no ano seguinte ao da revolução que derrubou definitivamente a monarquia naquele país. A pensadora potiguar viajou por toda a Europa, mas foi na França que se estabeleceu e criou laços. Nísia Floresta estudou, escreveu e privou do convívio dos maiores intelectuais europeus da época. Conviveu com Alexandre Dumas, Victor Hugo, Georges Sand e Augusto Comte.

De Comte, idealizador do Positivismo, foi uma admiradora e uma amiga. Sendo, inclusive, uma das quatro mulheres que ajudou a carregar o esquife do pensador. Todavia, ao que se sabe, Nísia nunca foi adepta da corrente positivista.

Há, ainda, muito que dizer sobre essa mulher extraordinária que nasceu em Papari e morreu em Rouen, na França, em 1875. Nísia Floresta Brasileira Augusta lutou em várias frentes e, mais do que todos os adjetivos aqui citados, ela foi, acima de tudo, humanista, e abraçou todas as causas que acreditava que pudessem trazer mais justiça social às mulheres e aos homens.

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Cronologia
  1810 — Nasceu no dia 12 de outubro de 1810, no Sítio Floresta, em Papari (RN). Seu nome de batismo era Dionísia Gonçalves Pinto, mas desde a primeira publicação adotou o pseudônimo de Nísia Floresta Brasileira Augusta.

1823 — Aos treze anos, casou-se com Manuel Alexandre Seabra de Melo, mas separou-se em alguns meses e voltou a residir com os pais.

1824 — Devido ao clima de revolta que dominava a região, a família de Nísia transferiu-se para Pernambuco e residiu, primeiro em Goiana, depois em Olinda e Recife.

1828 — Em 17 de agosto, Dionísio Gonçalves Pinto Lisboa foi assassinado nas proximidades de Recife. No mesmo ano, Nísia Floresta passou a residir em companhia de um acadêmico da Faculdade de Direito, Manuel Augusto de Faria Rocha.

1830 — Em 12 de janeiro nasceu a filha Lívia Augusta, que será sua companheira nas viagens pela Europa e futura tradutora.

1831 — Nísia Floresta estreou nas letras através do jornal Espelho das Brasileiras, dedicado às senhoras pernambucanas e que pertencia ao tipógrafo francês Adolphe Emille de Bois Garin. Durante trinta números do jornal (de fevereiro a abril), Nísia colabora com artigos que tratam da condição feminina em diversas culturas.

1832 — Publicação do primeiro livro: Direitos das mulheres e injustiça dos homens. O pseudônimo escolhido revela sua personalidade e opções existenciais: Nísia, diminutivo de Dionísia; Floresta, para lembrar o sítio Floresta; Brasileira, para afirmar o sentimento nativista; e, Augusta, uma provável homenagem a Manuel Augusto. Neste ano, Nísia, o companheiro e a filha transferem-se para Porto Alegre (RS).

1833 — Em 12 de janeiro, no mesmo dia em que Lívia havia nascido três anos antes, nasce outro filho que recebe o nome de Augusto Américo. Sai em Porto Alegre a segunda edição de Direitos das mulheres e injustiça dos homens. Mas em 29 de agosto, Manuel Augusto morre repentinamente aos vinte e cinco anos, deixando-a com os dois filhos pequenos.

1837 — Em meio à Revolução Farroupilha que agitava as plagas sulistas, Nísia Floresta transferiu-se para o Rio de Janeiro.

1838 — Através dos jornais da Corte ela anuncia a inauguração de um estabelecimento de ensino, o "Colégio Augusto", cujo nome é uma homenagem ao companheiro precocemente desaparecido.

1839 — Sai a terceira edição de Direitos das mulheres e injustiça dos homens, no Rio de Janeiro.

1842 — Publicação de Conselhos à minha filha, no Rio de Janeiro. O livro, dedicado à filha Lívia como presente pelo aniversário de doze anos, será o trabalho de Nísia mais editado e traduzido.

1845 — Segunda edição de Conselhos à minha filha, no Rio de Janeiro, acrescentada de quarenta pensamentos em versos.

1847 — Três novas publicações vêm à luz no Rio de Janeiro: Daciz ou A jovem completa, uma historieta oferecida às educandas do colégio; Fany ou O modelo das donzelas, publicado em 8 de abril de 1847, pelo Colégio Augusto, com uma proposta moralista semelhante; e Discurso que às suas educandas dirigiu Nísia Floresta Brasileira Augusta, pronunciado no encerramento das aulas do Colégio Augusto, em 18 de dezembro de 1847.

1849 — Primeira edição de A lágrima de um Caeté, no Rio de Janeiro, sob o pseudônimo de Telesila. O poema de 712 versos trata da degradação do índio brasileiro e do drama vivido pelos liberais durante a Revolução Praieira, reprimida em Pernambuco em fevereiro desse mesmo ano. Nísia Floresta embarca para a Europa com os dois filhos, no dia 2 de novembro.

1850 — Mesmo residindo em Paris, é publicado, em Niterói, o romance histórico Dedicação de uma amiga, em dois volumes.

1852 — Em 27 de janeiro embarca em Lisboa, rumo ao Brasil, onde vai permanecer por cerca de dois anos. Durante este período, ela aproveita para vender parte das terras que havia herdado no Nordeste.

1853 — Publicação de Opúsculo humanitário, no Rio de Janeiro, onde a autora condena a formação educacional da mulher, não só no Brasil como em diversos países.

1855 — O Jornal O Brasil Ilustrado, de 14 de março a 30 de junho, publica em oito capítulos o texto "Páginas de uma vida obscura", que traz a história de um negro escravo e o que a autora pensava, na época, acerca da escravidão. Em 15 de julho outro texto veio a público no mesmo jornal: "Passeio ao Aqueduto da Carioca", em que ela se faz de cicerone e passeia com o turista pela cidade do Rio de Janeiro.

1856 — Em 31 de março, O Brasil Ilustrado publicava "O Pranto Filial", onde a escritora expõe a dor pela perda da mãe e o sentimento de orfandade que a consumia. Também neste ano foi publicado um livro de versos: Pensamentos. Em 10 de abril, Nísia Floresta iniciava a segunda viagem rumo à Europa, acompanhada apenas por Lívia pois Augusto Américo permaneceu no Rio de Janeiro, estudando. Somente após dezesseis anos ela tornará a ver a paisagem carioca e seus parentes. O Colégio Augusto fecha definitivamente suas portas neste ano. A escritora recebe em sua residência o filósofo Auguste Comte, e também é deste ano a correspondência trocada entre eles, num total de catorze cartas.

1857 — Em 5 de setembro morria Auguste Comte. Nísia Floresta foi uma das quatro mulheres que acompanhou o cortejo fúnebre ao Père Lachaise. É publicado em Paris Itinéraire d'un voyage en Allemagne. O livro, sob a forma de cartas dirigidas ao filho e aos irmãos, contém as impressões da autora sobre as cidades alemãs. A primeira carta é de Bruxelas, de 26 de agosto de 1856 e, a última, de Estrasburgo, de 30 de setembro do mesmo ano.

1858 — Primeira edição de Consigli a mia figlia, traduzida para o italiano pela própria autora. A publicação se dá em Florença e os quarenta pensamentos em verso da edição brasileira apareceram em prosa.

1859 — A Associação da Propaganda de Valença imprimiu a segunda edição italiana do Consigli a mia figlia, que havia sido recomendado pelo Bispo de Mandovi para uso nas escolas católicas de Piemonte. Ainda neste ano, sai a edição francesa de Conseils à ma fille, em Florença, traduzido por Braye Debuysé; e, também em Florença, vem a público Scintille d' un' anima brasiliana, que reúne cinco ensaios: "Il Brasile", "L'abisso sotto i fiori della civilità", "La donna", "Viaggio magnetico", "Una passeggiata al giardino di Lussemburgo". Durante este ano e nos dois seguintes, a autora viaja através da Itália e da Grécia, residindo em diversas cidades.

1860 — Uma edição italiana de Le lagrime de un Caeté, traduzido por Ettore Marcucci, com um prefácio muito elogioso à autora, surge em Florença.

1864 — Publicação do primeiro volume de Trois ans en Italie, suivis d'un voyage en Grèce, em Paris. Nesse livro, Nísia Floresta debate os problemas políticos e sociais italianos e reflete sobre a escravidão, a história e as manifestações culturais da Itália.

1867 — É publicada em Londres a tradução inglesa de um dos ensaios de Scintille: "La donna". Trata-se de Woman, por F. Brasileira Augusta, traduzido do italiano por Lívia A. de Faria, filha da escritora. Também é publicado em Paris o romance Parsis, que, apesar de constar entre os títulos de Nísia, não é conhecido nenhum exemplar desse livro.

1871 — É publicado Le Brésil, em Paris, também traduzido por Lívia Augusta.

1872 — Publicação do segundo volume de Trois ans en Italie, suivis d'un voyage en Grèce, em Paris. Após dezesseis anos no exterior, em 31 de maio, Nísia desembarca no Rio de Janeiro. Também nesta ocasião ela vai aproveitar para vender suas terras.

1875 — Em 24 de março, Nísia Floresta retorna à Europa. O primeiro destino foi a Inglaterra, onde a filha a aguarda, e, após alguns meses, seguiu para Lisboa.

1878 — Publicação de Fragments d'un ouvrage inèdit - notes biographiques, em Paris. Apesar de conter principalmente informações a respeito do irmão, Joaquim Pinto Brasil, este livro traz também dados biográficos da autora, até então desconhecidos. Nísia transferiu sua residência para Rouen e, em seguida, para Bonsecours, interior da França.

1885 — Em 24 de abril, às nove horas da noite, Nísia Floresta Brasileira Augusta morria vitimada por uma pneumonia. Dias depois, era enterrada num jazigo perpétuo no Cemitério de Bonsecours.

1954 — Em 12 de setembro, os restos mortais da escritora foram trasladados para o Rio Grande do Norte, e enterrados em Papari que, aliás, já se chamava Nísia Floresta. Seu mausoléu foi construído próximo do local da antiga residência do Sítio Floresta.

 
Poema de Nízia Floresta
Improviso


( ... )
Vate sublime, que os primeiros sonhos
Da juventude minha hás embalado,
Quando às margens do fresco Beberibe
Os teus primores d’arte eu decorava
Às ilusões entregue dessa idade,
Em que os risos de amor tanto seduzem!
Tu nos deixas enfim! e as plagas nossas
Ao verem-te sair gemem saudosas;
Gemem os corações dos brasileiros,
Que como meu reter-te não puderam
Nesta terra que ufana te incensara
Se o gênio aqui tivesse um templo seu!
Inclina triste a fronte, ó pão-de-açúcar,
Ao poeta que passa! ao gênio deve
A matéria imponente assim curvar-se.
Embalde indiferente ela se ostente,
A grande inteligência, que mar afora
Lá se vai!...nos corações nossos deixando
Da pungente saudade a dor acerba!

 

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Lêdo Ivo