Rubens Alves Ferreira
Taguatinga / DF

 

Bartolo (20 V e B B)

 

No bar do Vazco as pessoas não oferecem mais “a do santo” – aquela derramadinha que se dá no chão antes de entornar a dose de cachaça –. Coitados dos santos! devem estar tomando água, pagando fiado ou dizendo: “Deus lhe pague”. Talvez não se permita mais que o piso seja sujo; mas as pessoas poderiam fazer este procedimento sagrado do lado de fora do estabelecimento, desde que haja um local apropriado, determinado para isso. Talvez a culpa seja daquelas bebidas que geralmente vem com raízes que passarinho não bebe, muito menos O Santo: laranja, sucupira, arnica, carqueja, amburana entre outras. Tem também garrafas pet de refrigerantes cheias – brejeiras ou caloteiras –. A dose do santo não tem; mas o que sobra no copo tem destino certo, não se teria a irresponsabilidade de dizer que seja em todo lugar.  Por isso que em certos estabelecimentos, o melhor é consumir da mesma garrafa que o dono do bar, para morrerem juntos. Entre outras observações de quem bebe sozinho, ou só mata o tempo com ar de sonso, como os demais que chegam tristes e saem alegres, conversando e rindo a toa, Já foi possível observar também que enquanto os fregueses incautos ficam na gargalhada e na galhofa, o dono do bar pega uma ou duas garrafas vazias de cerveja e acrescenta ao montante a ser pago. Alguém sempre desconfia, pede uma saideira de graça; mas enfim, é tudo conforme o ânimo dos envolvidos. Há aquele “serrador” que serve a garrafa e já trás o copo dele junto – isso de mesa em mesa –. Outra desavença é sobre a qualidade do Whisky. “Isso não é whisky! ´- diz um; “esse whisky não é o tal” – diz outro: mas depois da terceira dose desce qualquer uísque. Certa vez foi possível flagrar a dona do bar (esposa) passando um Uísque sofrível para uma garrafa de Whisky top por um funil debaixo do balcão. Engraçado, ou trágico foi ver o bebedor contumaz da bebida presenciar a troca. Não houve coisa pior do que queixo caído por que eram “muito amigos” – o Senhor e os donos do bar –. A dona ainda teve a pachorra de dizer: “o seu é separado”!“. Deixar para pagar depois é briga na certa. Todos os dois erram na conta. O bebum não concorda com o somatório e o dono sempre erra para mais; mesmo trolado de tonto. Na cozinha a quituteira usa touca; mas não usa luva e ainda fuma e espirra – não esfirra – nos ingredientes que estão sendo preparados sobre um balcão onde se prepara as massas e é limpo com um pano multiuso. No balcão de atendimento ao público, dá gosto ver todo tipo de gente se fartando sem restrições, dos quitutes quentinhos, feitos na hora. Entre outras curiosidades, tem aquele freguês que chega antes do bar abrir. Uns disfarçam e dão voltas e voltas pela quadra e excomunga o dono pelo atraso. Outros que “não bebem” porque estão trabalhando, aparecem de tempo em tempo durante o dia – são sóbrios. Tem os que chegam e tomam logo o suficiente para ficarem mau/mal (por que já foi dito que para ficar bom/bem toma-se remédio); os que saem rebocados. Tem aqueles que pedem ajuda para chegar em casa e saem três em condições iguais, numa dança engraçada para quem vê e trágica para quem marcha. Sempre sobra para alguém, um reclamando do outro para manter o passo – “ parece que bebeu!!!”– diz para todo mundo ouvir; e ninguém está se importando com quem vê ou ouve. Quando chamam o SAMU ou os Bombeiros é a maior confusão para se definir a situação. Eles cismam em levar o dono do bar. “Claro que não é ele”, avisam os frequentadores. Afinal podem escolher à vontade. No final resolvem rebocar quem está em aparente pior situação. Tinha um indivíduo que aparecia junto com o abrir de portas, pedia um copo americano cheio dessas enraizadas com um pedaço de limão ou laranja, bebia de um gole só e saia. Talvez para ver se firmava; então voltava e pedia a mesma coisa. Não é para ser mal agourento, mas o tal sujeito morreu de cirrose. Assim como outro morreu atropelado, outro de AVC, outros dois caíram e bateram a cabeça. Alguns passaram por clínica e voltavam para o bar só para conversar e tomar refrigerante e/ou jogar sinuca. Adivinha?! Também se joga palito, baralho, bicho e bingo. Diante desses dilemas sempre vem a ressaca física e moral – hora de contabilizar as besteiras feitas, levar uma semana para ficar bom e outras duas para colocar a vida em ordem, nos trilhos –. Abandonar a bebida é abandonar, trocar os amigos e os costumes. Não adianta fazer concessões, experiências. Sempre se vai deparar com a embriaguez e o descontrole. Um psiquiatra já disse (não se sabe a fonte) para um paciente de uma amiga que “o álcool é uma viúva ciumenta” – Abandona-se a família, o emprego, os estudos; perde-se os amigos, os eventos e muito mais –, ele é absoluto e reina só, doa-se o todo o tempo e espaço. É como disse o Jô em seu programa de entrevista extinto: “alcoólatra olha um copo de vinho e pensa; e diz: ah! Só esse copo não me fará mal –. Semana depois, está na sarjeta com cachorro lambendo sua boca” –. Que dádiva seria beber socialmente ou até detestar bebida. O pior é imaginar ir a uma festa ou a um churrasco e tomar suco ou refrigerante, enquanto se percebe a alteração evidente dos amigos, ou não. É uma sintonia que não se ajusta. O melhor é ir embora mais cedo ou evitar certos ambientes e “amigos”.
As situações aqui descritas ou inventadas são expressões fictícias e não devem incriminar ou ofender alguém; o que não impede que se coloque a carapuça; aliás, o Bar do Vazco fica em um universo transcendental, virtual, espiritual, patológico, entre Brasília/DF e Formosa/GO. etc..


 

 

 
Conto publicado no livro "Contos Fantásticos" - Junho de 2018