Letícia Alvarez Ucha
Porto Alegre / RS

 

Selfie traidora

 

           

   Rafael sempre foi um rapaz pobre popular, com aparência de galã, disputado pelas mulheres da comunidade em que vivia. Sabia do seu sucesso com elas e usava isso a seu favor.
Seu sonho era mudar-se para a capital. Achava a vida no interior muito monótona. Juntou dinheiro e foi aventurar-se na cidade grande. Seu amigo João conseguiu que ele ficasse em seu lugar durante as suas férias. Era um bom começo para Rafael: trabalho como zelador de um edifício classe média alta com vários apartamentos.
Logo de cara os vizinhos ficaram espantados com a semelhança de Rafael, com o Dr. Rafael, o médico que morava no apartamento 502. Este por sua vez, estava partindo para um Congresso no Nordeste que duraria dez dias, e pediu um favor para o novo zelador:
- Bom dia, fiquei sabendo que você ficará no lugar do João durante as férias dele. Como ficarei ausente por dez dias, gostaria que você ficasse com minha chave para alimentar os peixes do meu aquário durante este período. – disse o médico.
-  Pode deixar doutor o seu pedido é uma ordem. - Disse o zelador Rafael.
-  Os vizinhos estão comentando nossa semelhança. É verdade que seu nome também é Rafael Silveira? - Questionou o médico com tom meio incrédulo.
- Isso aí, doutor... mas pode me chamar de Rafa.
-  Então somos homônimos...
O zelador não sabia o significado para a palavra, mas faria como sempre: procuraria no google, jamais
admitia sua falta de saber.
- Ok,  disse Rafael já puxando suas malas e deixando as chaves com o zelador.
Rafa esperou a hora do seu intervalo de almoço e sem que ninguém visse e foi até o apartamento do médico. Um local lindo bem decorado. Foi até o quarto e ficou encantado com as roupas de griffe do xará. Não se conteve e vestiu algumas. Tirou de sua calça o celular e começou a tirar fotos nos ambientes elegantes da casa.
Quando começou a olhar as fotos teve uma ideia: fazer um perfil usando um aplicativo de namoro no celular  com sua foto, mas com as características do Rafael médico. Postou e esperou ver o que acontecia. Enquanto isso começou a marcar algumas mulheres como possíveis paqueras para ver se acontecia a tão esperada combinação feita pelo aplicativo.
Desceu e ficou na portaria. Enquanto, um morador entrava e outro saía do edifício, Rafa dava uma espiada nos resultados do aplicativo.
A primeira combinação era uma senhora que aparentava ter quase sessenta anos e apresentava-se como empresária. Deslizou o dedo no painel do celular e outras pretendentes apareceram. Várias. Loiras, morenas, negras, orientais todas querendo conhecer o “médico” solteiro e bonito.
Uma delas, porém, lhe chamou mais atenção: era Daniele, morena de pele clara e grandes olhos verdes. Resolveu começar a conversar com ela que, como estava on line, logo respondeu.
A moça que vivia um período frágil foi logo dizendo que estava atravessando um período triste de sua vida, pois o namorado de longos anos conseguiu novo emprego, mudou-se e terminou o relacionamento. Fez questão de dizer que por outro lado, estava feliz com as boas vendas em sua pequena loja de roupas infantis.
Rafa quando ouviu essa informação nem disfarçou e perguntou:
- Então sua loja está dando muito lucro?
- Sim, não tenho do que me queixar. - Respondeu Daniele
O zelador esperto aproveitando que seu horário de trabalho chegou ao fim, foi ao apartamento do médico com a desculpa de que tinha que dar comida aos peixes. Porém, nem precisou justificar-se pois não encontrou nenhum morador durante a ida.
Chegando foi logo ao bar do apartamento e viu que havia algumas garrafas de vinho. Foi então, que resolveu convidar Daniele para que fosse em “seu” apartamento naquela noite.
Daniele achou um pouco precipitado o convite, mas como estava muito carente resolveu ir. Rafa passou o endereço e ficou à espera da moça. Tocou a campainha, era ela.
Realmente a jovem era mais bonita pessoalmente do que nas fotos e ele ficou encantado com a beleza dela. Porém, não deixou-se levar pelos sentimentos e frio começou a conquistá-la sempre querendo saber de sua situação financeira.
O rapaz mentia que seu carro havia sido roubado e que o seguro estava custando a lhe dar outro para justificar porque saíam somente no veículo dela. Jantares eram feitos com a comida estocada pelo médico em seu apartamento.
Os dois passaram a se encontrar diariamente, sempre depois do horário do trabalho dele  e na casa do médico. Ela nem desconfiou que Rafa estava passando-se por outro. Observador como ele só, conseguiu pegar as senhas do celular da moça e da conta bancária. Dani apaixonada, contava tudo sobre sua vida sem mistérios.
Rafa negava-se a postar fotos com ela na rede social, alegando privacidade.
Um dia antes do verdadeiro dono da casa voltar, na hora do almoço ele colocou sonífero no café de Daniele, pegou o cartão dela e fez um grande saque. De posse do dinheiro e não contente com isso ainda tentou transferir pequeno valor da conta de Dani para a sua, via celular. O que ele não contava é que a moça costumava trocar a senha do seu celular de quinze em quinze dias. Quando ele tentou acessar o aparelho o mesmo tinha o programa “selfie do intruso” instalado, o qual tirou uma foto dele com a bolada de dinheiro ao seu lado. Rafa não percebeu a foto e fugiu para outro estado do país levando toda a grana.
Daniele dormiu tanto que só acordou no dia seguinte. Não se deu conta do que acontecera e foi pagar o fornecedor da loja. Levou um susto quando viu o saldo da sua conta, afinal não havia feito nenhum saque! Pegou o celular para chamar a polícia e viu o aviso do mesmo dizendo que alguém havia tentado acessá-lo com a senha incorreta. Na foto aparecia Rafa rodeado de cédulas. Ela ligou para o seu advogado, o qual prometeu uma solução. Saiu correndo desesperada e foi atropelada indo parar no hospital. Depois de dois dias no hospital foi atendida por um médico chamado. Olhou seu crachá. Ele sim era o verdadeiro Rafael.

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Contos de Verão"- Edição Especial - Fevereiro de 2017