Maria José Zanini Tauil
Rio de Janeiro / RJ

 

Metamorfose de outono

 

 

        Jandira, pare de dizer que não merece estar passando por isso ou aquilo! Não desista de pedir a cura! Claro que você não merece passar por isso! Os leprosos que Jesus curou foram acusados de alguma coisa? E o cego? E o paralítico? Deus  está lapidando você, como pedra preciosa, porque tem um lugar especial na eternidade carinhosamente reservado para você, minha linda ! Jesus não prometeu que viveríamos num mar de rosas: "no mundo terás aflições!"- Ele próprio, o filho de Deus, o ser que, na pele de humano foi mais que santo, teve morte de cruz. Como homem, ele não entendia  bem: "afasta de mim esse cálice", "por que me abandonaste?"- O Pai usou o Filho para provar que a morte não existe. Ele tinha que ser a cobaia demonstrativa dessa grande verdade: A morte não existe!

Não sei se já lhe contei isso. Meu pai tinha o semblante carregado de dor, abatido, vencido. Eu segurava a mão dele quando morreu. Eu ,  meus irmãos e minha mãe assistimos a uma incrível transformação. O semblante foi ficando tranquilo. Parecia ter ficado saudável outra vez, só adormecido. A alma, por fim, libertou-se daquele corpo doente, aquela casca, aquele invólucro perecível. Foi uma verdadeira metamorfose! Juro que havia um esboço de sorriso nos lábios.

Meu irmão, em dois anos sofreu tanto...tanto! Câncer maldito! Para poder se alimentar, pois não tinha mais o que emagrecer, ia ao oncogastro, que introduzia um cabo  no tubo digestivo para tirar os tumores do caminho, à sangue frio, sem anestesia, como se estivesse desentupindo pia.  Durante algum tempo, ele conseguia se alimentar. Passou por esse procedimento umas três vezes. Morreu cantando um hino de louvor e se entregando a Deus. Como o meu pai, ficou sereno. Parecia adormecido, sonhando com os anjos. Foi a libertação, a quebra das correntes que o aprisionavam, como escravo,  ao corpo doente. Eu sei que eles estão felizes! Eu sinto isso, Jandira!

Quatro anos depois, meu irmão  entrou no meu quarto todo de branco, junto com minha mãe, que não andava, mas vinha toda serelepe à frente, sorriso de orelha a orelha. Eu estava entre o sono e o despertar. Foi à tarde. E ele me disse: “mamãe está por minha conta.” – Acordei, mas fiquei impressionada.

Seis dias depois do sonho  mamãe  faleceu.Como ficou linda  a minha mãe! Não parecia ter chegado aos 87 anos. Não parecia ter nem 80! Foram nove anos de sofrimento. Ela nem sabia que havia perdido um filho. Não tivemos coragem de contar.

A morte não é ruim, não é um mal. Como o nascimento, ela é uma bênção. Preparemo-nos, portanto, para essa grande metamorfose. Um dia, você sairá desse casulo e voará... como a mais bela das borboletas outonais!

 

 

 
Conto publicado no livro "Contos de Outono" - Maio de 2018