Willey Hull Willecamp
Florianópolis / SC

 

 

E agora, Manduca?

 

Dona Bené andava meio cabreira com Manduca. Há mais de seis meses que ele não "comparecia" para as obrigações conjugais, demonstrava desinteresse por sexo e passava o dia inteiro na birosca enchendo a cara com os amigos. Ela, ressabiada, vivia insistindo:
- Homem, é melhor você procurar um médico... Você tá com problema de pressão!
- Pressão?!...
- É... "falta de pressão"! Você não se toca que eu estou precisada?... Só quer saber de ficar no meio de homem... Será que depois de velho resolveu boiolar, é?!

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Doutor Nozinho fez cara feia quando mediu a pressão do Manduca:
- ... Dezessete por dez... tá muito alta!... Vamos ter que entrar num regime e tomar um remedinho pra manter a pressão sob controle... Tudo bem?
- Tudo... mas o doutor falou regime?...
- Isso mesmo... Você vai suspender o sal, a gordura e o álcool.
- O álcool também?
- Principalmente o álcool. Pelo jeito o senhor é chegado a umazinha de vez em quando, não é?
- Bem... umazinha, de vez em quando... mas só pra abrir o apetite...
- Eu estou sabendo desse apetite. Mas de hoje em diante nenhumazinha, estamos entendidos?
- Nem cervejinha?
- Nem cervejinha!

O doutor fez algumas anotações no prontuário.
- Cinquenta e dois anos, seu Manduca?
- Isso!
- E como é que anda essa próstata?

Manduca entendeu a segunda intenção do doutor e tratou de escapar como pôde:
- Tá boa... Mas eu vim aqui mesmo foi só por causa da pressão.
- Costuma levantar de madrugada para urinar?
- É... às vezes... Mas eu vim aqui só por causa da pressão...
- Já fez o exame da próstata alguma vez?
- Sabe, doutor, meu problema mesmo é só a pressão, o resto tá tudo bem.
- O senhor sabia que uma das maiores causas de morte entre os homens é o câncer de próstata?
- É???...
- Mas pode ser tratado e curado se for diagnosticado a tempo. Tire as calças!
- Tirar as calças?
- Isso mesmo, vamos ver como anda essa próstata.
- ...É aquele exame da dedada?...
- É sim, a gente chama isso de "toque retal", mas não se preocupe. É rápido e não vai doer nadinha. Tire as calças e fique de quatro.

Manduca relutou mas a autoridade do médico se impôs; tirou, então, as calças e se prostrou submisso, ansioso, angustiado, envergonhado, temeroso, à espera da humilhante cutucada no reto, digo, no redondo. O doutor besuntou sua olhota com vaselina, fez uma rápida consideração sobre a aparência anal e deu prosseguimento ao ato.
De fato, foi rápido. Uma rápida incursão anal com o dedo médio devidamente enluvado e estava terminado o exame:
- Viu só como foi rápido?
- ... E então, doutor? - (mais constrangido do que curioso).
- Tudo bem... Nenhum problema... É só não esquecer de repetir o exame, no mínimo uma vez por ano, estamos entendidos?

...

Manduca voltou para casa abatido, cabisbaixo, com a lembrança daquele exame aviltante destruindo a sua auto-estima. E ao chegar em casa...

- E então, Manduca?! Foi no doutor?
Ele tentou disfarçar:
- ...Não... Deixei pra outro dia... Hoje tô cansado, vou deitar um pouco.

Dona Bené, porém, percebeu que Manduca andava com dificuldade, pernas um tanto abertas... E logo uma idéia sinistra fez disparar seu coração angustiado, "Meu Deus, não pode ser!!!"...
Dia seguinte, sete da manhã, Manduca acorda e dá de cara com a esposa parada na porta do quarto, olhos vermelhos de tanto chorar:
- Manduca, o que quer dizer aquela vaselina nos fundilhos da sua calça!!!???


 

 

 
Poema publicado no livro "Contos Urbanos" - Abril de 2018