Romilton Batista de Oliveira
Pelotas / RS

 

O óbvio

 

Dois filósofos estavam a caminhar pelo jardim da Interrogação, perto da cidade da Desconstrução. Conversavam sobre vários assuntos, até que um deles perguntou à arvore Polifonia qual o motivo que leva a corrupção a agigantar-se em países que foram colonizados. Polifonia que sempre esteve a viver em vários lugares, sempre a produzir por meio de sua movência poética a existência de vida, sons e cores em toda a floresta respondeu ao filósofo:
– A corrupção é uma questão hedionda. Ela nasce nos corações de homens que se sentem intocáveis e invencíveis, imortais e insanos. Numa corrente crescente de desvios e enriquecimento ilícito pensam que terão sempre o que conseguiram ter à custa da miséria e morte do outro. Podres homens dissolvidos de razão e emoção, não percebem que pisam sobre a terra que um dia os comerão. Somente a consciência, legitimada por um olhar divino, pode libertá-los desta chaga maligna que os levarão à morte espiritual. E para sempre viverão destituídos de paz interiorana. Serão consumidos por seus terríveis enganos e a terra ou as águas quando recebê-los, os vomitarão imediatamente para um lugar onde para sempre viverão algemados e encarcerados para pagar por tudo que fizeram.
Perguntou o outro filósofo que atentamente a ouvia:  – Mas por que há pessoas que não conseguem enxergar o óbvio? Tu ó árvore do conhecimento e do devir, fale-nos sobre esta obviedade. E mexendo seu frondoso corpo centenário disse:
– O óbvio condiz com o que os olhos não enxergam porque lhe faltam as lentes do saber/poder. O óbvio desmascara o sentido rastreado pela presença da ausência de algo que se diz e em seu dizer acaba nada dizendo, porque a imagem violenta adentra no cérebro e causa danos na interpretação real dos fatos. O óbvio não engana os que veem com o coração e sentem com a alma sem auxílio de microscópio da incredulidade humana. O óbvio não luta contra a verdade, ele é a verdade que só pode ser vista por olhos pensantes, mentes brilhantes, cérebros despregados de fixos sentidos manipulados. O óbvio é poético, e nas malhas tecidas pelo discurso que ultrapassa a zona do desejo em ver o que verdadeiramente quer ver, pois há algo dentro de si que impede o ser de ver o que tem que ser visto, e num relâmpago ou clarão transcendental, a letra dissolve os pseudos sons aspirados por sujeitos que por conta própria jamais conseguirão ver o que a sabedoria guarda em seu silêncio. O óbvio está vivo, em permanente movência, instalando-se na ação coletiva que adentra o indivíduo em sua individuação solidária. O óbvio é resistência ao fixo envenenado pelas estruturas de poder imperialista, colonialista e centralizador, e, por falta de coragem, o melhor a fazer é apresentar palavras bêbadas, signos sem sentidos, aprisionados à ditadura errante que escraviza a mente de cativos "babilônicos". O óbvio é óbvio e em sua aberta forma de ser, revela a quem realmente está disposto a ver... Ver sem medo de ser feliz, de enfrentar a verdade como ela é... De ser capaz de, longe das amarras coloniais, sorrir o belo riso de quem sabe fazer a hora acontecer... O óbvio é simplesmente a cena visível a olho nu... E se quisermos atingir o horizonte e tocar o sentido das coisas que a mídia insana oculta de nossa frente, é preciso possuir a visão não de um manso leão mas de um touro que vence na tourada o bom combate de quem não permitiu que o inconsciente tornasse uma eterna repetição da violência que se faz presente nos discursos de quem faz questão de estar do lado dos poderosos. O óbvio é pluralista, popular, sangue vivo, poesia emancipada, voz ouvida por um bom ouvinte. E, sem mais delongas, o óbvio está aí, escancarado pra todo mundo ver, em suas múltiplas vozes corrompidas por poderes que em breve serão desfeitos... O futuro nos aguarda, o povo começa a abrir os olhos, constatando que a sociedade corrupta do poder tenta esconder por meio de violentos discursos interpelados por distorcidos e embriagados ditos imundos, ditos insanos, ditos não-reais. Enfim, o óbvio abre as portas e janelas para todo ser que queira ver e se libertar de suas amarras, de suas ideologias impregnadas de ódio, indiferença, fraqueza e rancor. Óbvio, obviedade rima com verdade, palavra que não se mostra por completo, mas, só por meio dela, alcançamos o verdadeiro sentido que dá à vida uma estrada a ser percorrida. E, num sorriso ecologicamente eternal, Polifonia mexeu-se de seu lugar, caminhando em direção a um grande e extenso rio para se lavar, pois percebeu que os filósofos eram brasileiros. E, num instante sublime de paz, os alertou dizendo:

– A partir de hoje, 25 de agosto, o mundo celebrará este dia como o dia da verdade humana, dia do filósofo. Satisfeitos com tudo que ouviram da sábia árvore do saber, retornaram às suas cidades, repletos de satisfação, alegria e munidos por uma voz pluralizada.

 

 

 

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Painel de Contos Premiados" - Outubro de 2017