Karina Silva Smerdel
Presidente Prudente / SP

 

 

Cadeira cativa

 

      Iéééé! Screeech!  Oooopa!  Que freada brusca, motorista, abra a porta do buzão, meu camarada, vou descer aqui. Cheguei cedo, quero ser o primeiro a entrar nesse recinto, mas por enquanto, vamos a  um cafezinho no boteco da esquina.
- Solta aí uma branquinha pra esquentar. Outra pra turbiná e a saideira pra relaxar. Tome rapaz, fique com o troco!
- Senhor – dizia o balconista acenando o dinheiro recebido - está faltando uma dose.
- Não, não obrigado, já bebi demais por hoje.
Tratei logo de me mandar em passos largos. No caminho... Nhac! Nhac! Experimentei as frutas da banca para ver qual estaria melhor, enchi a barriguinha, não vou comprar nada, não tenho sacola para carregar.
     Uma paradinha no box do meu compadre, vou adquirir um filmezinho por uma barganha,  dez por cento mais barato sem nota fiscal, nessa crise melhor economizar de dez em dez a gente enche o saco, e por falar em saco... Papai Noel, presentes, vou ter que camuflar a chegada do bom velhinho, direi às crianças que ele quebrou a perna e o presente será improvisado, bola de borracha é só o que irá mandar.
      -Eita! Valha meu Deus, que fila grande! Tome aqui um trocado garoto, vai lá no bar comer um pastel, você pode esperar, não tem compromisso. Eu fico aqui nesse seu lugarzinho que acabei de comprar.
     Onze horas e dez minutos, que povo mais abusado, que falta de respeito com os clientes, desorganização total, a porta abre e cadê o guarda que não consegue conter toda essa gente? Estou aqui no segundo lugar da fila, e depois de tanto corre-corre, empurra-empurra, chutes e beliscões, fui o último a conseguir entrar. Exijo meu direito! Vou logo avisando que tomarei uma providência assim que sair desse lugar.
    Beep!... O número 151 guichê 1. Beep!... 153 guichê 3. Beep!... 155 guichê 1...
- Ei! Senhora do caixa aí, eu sou número 152, a senhora me pulou.
- Não, hoje só chamamos os números ímpares, a sua senha é para amanhã.
- Como assim? Isso é uma piada. Desde quando se pega senha para o outro dia.
- Desde quando ficamos sem uma funcionária, resolvemos redistribuir as tarefas, por favor, volte amanhã, esta atrapalhando o andamento do serviço.
    Voltarei sim, mas dessa vez se eu não for atendido chamo a imprensa. Preciso de um saque e o banco manda vir amanhã, o jeito é esticar mais um dia a extensão no casarão ao lado e compartilhar a TV a cabo.
   De novo ao banco, dessa vez não preciso chegar cedo tenho a senha. Nossa! Quanta reclamação, que povo que fala alto, parece mais um jogo de futebol do que uma sala de espera.
- Serviços bancários interrompidos por hoje –  informava o gerente. Devido ao tempo chuvoso, Cof! Cof! Não vamos ficar com os computadores ligados, o banco está sem para-raios, não vamos nos arriscar.
    Quanto mais o gerente explicava, mais o povo se armava com guarda-chuva, bolsa e chapéu, eu já estava vendo a hora de todos esses objetos serem atirados balcão adentro. O que não seria nada mal, para começar o dia.
    As atendentes se maquiavam e batiam papo sobre compras no shopping. O jeito era voltar para casa, indignado com a situação, que falta de ética e de profissionalismo e de novo o direito de um cliente no caso eu, sendo deixado de lado.
    Mais uma vez, mais um dia nessa cadeira que já está quase cativa. Desse canto a observação é geral e não tem como não me incomodar, um velhinho já passou por mim 4 vezes, vai ao balcão pergunta a seção de atendimento preferencial vai, volta e não chega a lugar algum.
    Senhores funcionários, o velhinho não sabe ler, não adianta escrever. O outro mal anda e é obrigado percorrer de uma ponta a outra do banco sem o mínimo de compaixão e aquele outro que está em pé porque o lugar do idoso já lotou. Uma  senhora com um bebê, já há duas horas esperando. Confusão na certa e serviços novamente encerrados, por causa do tumulto generalizado.
     Como todo bom cidadão, não atraso mais que três meses o que devo, fui ao banco apenas fazer um saque no balcão, para pagar um processinho que movi contra um inquilino que devolveu a chave de uma casa que aluguei, me acusando ironicamente que nela havia ratos. Sinceramente, eu não sei da onde sai tanta gente assim, folgada.
   Hoje completa a quarta vez que venho ao banco para resolver meu problema e o que vejo. Greve. Uma faixa grande com escritas garrafais. Estamos em Greve. Não me admira que a vidraça esteja estilhaçada e pedras rolaram aqui mais cedo.
    A pancadaria rendeu uma bela delegacia e eu que sempre fui um homem honesto, nunca faltei ao trabalho, pai de família, estou aqui em uma cela fedida trancafiado, acusado de confusão na porta do banco e desrespeito ao funcionário.

 

 

 

 
Poema publicado no livro "Mutretas, Xavecos e Pilantragens" - Contos - Janeiro de 2018