Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

 

Se passaram 30 anos

 

 

Dois jovens enamorados, com  a alegria de quem se quer bem, juras de amor eterno, proclamadas a cada instante.
Sob as bênçãos da sociedade, dos pais e da Igreja iniciaram a vida a dois. Como todo o começo as novidades trazem encantamento. Amanhecer um do lado do outro. Os banhos, embaixo do chuveiro, juntinhos, uma dádiva, onde os amantes satisfaziam-se. O prazer compensava todo o trabalho árduo do dia. Tudo muito bom.
Os ajustes se fazem necessários. É preciso acostumar-se um com o outro. Ajuntar a roupa suja do chão do banheiro e colocar  dentro do cesto. Fechar a pasta de dente, para não lambuzar a pia. Aprender a dividir quase tudo. Desde a própria cama.  A coberta que acaba sendo puxada para um lado. Acordar com o barulho noturno do outro. Tomar chimarrão juntos.
Sempre há o que é muito pessoal, aquilo que precisa continuar sendo só meu  para dar sentido a própria existência. Como seres sociais, mas também como seres únicos  o que é meu é meu. Há segredos que não podem ou não se quer compartilhar.
Os dias continuam amanhecendo, passando as horas algumas muito calmas outras nem tanto e como desde sempre caindo a tarde  se preparando o entardecer  para mais uma noite cheia de mistérios  e  descanso. Tudo se faz novo em cada amanhecer, como diz a canção, por isso é possível a Vida se renovar todos os dias.
Trinta anos, parte importante de uma vida. Tantas conquistas, mudanças, reviravoltas, e se faz necessário muitos re-começos. Como toda a existência, lágrimas e sorrisos acontecem. Trinta anos é um tempo de comemorar a vitória de qualquer relacionamento, de qualquer projeto de vida. 
Nesse tempo de três décadas se passa por tanta coisas diferentes, boas e nem tanto. A vida tem sido uma aventura maravilhosa e com certeza outros trinta anos e mais trinta nos esperam.
Os filhos vão nascendo. A alegria e as incertezas da uma gestação compartilhada se tornam uma descoberta a cada instante. O contato com a criança ainda na barriga, gera uma satisfação estou me comprometendo com o Criador. Renovando a vida, deixando-a mais bonita, pois um bebezinho  vai nascer e, essa criança é filha das minhas entranhas. Será ela a nossa continuidade Com certeza vai trazer os nossos jeitos, os nossos gostares. Porém não esquecendo que também traz muitas das nossas rabugices.
O mais importante é que são nossos filhos e levam o nosso nome. Nascem,  são a cara do pai.
Vão crescendo trazendo preocupações,  a febre alta de madrugada,  às vezes, no Sul, muito fria, sair de casa em busca de socorro, o médico bem gentil diz:
- É só uma gripezinha, com esse xarope logo passa.
As artes são tantas... Os tombos que muitas vezes provocam fraturas. 
Crescem um pouco mais e pensam que são os donos do mundo. Saem, não dizem a onde vão ou então não vão para o lugar combinado. Mas tudo passa, a vida continua amanhecendo, nunca um nascer do Sol igual ao outro.
As primeiras namoradas, a expectativa de como será mais um membro na família. Vem a formatura. Noite memorável.  Não se sabe se são os olhos do formando ou dos pais que mais brilham.
Assim entre tantas lembranças que trazem  satisfação também  as que trazem decepções. A jovem senhora um dia enamorada entregou os seus sonhos a um rapaz para que um com o outro, constituíssem uma família. Também foi ao longo do tempo colhendo dissabores. Decepções acumuladas pela falta de um carinho mais elaborado, de um aconchego para realizar as expectativas que a vida, que uma mulher precisa.
Ela, mesmo depois de casada fazia 320 km para se formar. Um tempo que as Faculdades eram distantes, as estradas de chão, ou empoeiradas ou com muito barro. Mesmo grávida  não deixou de frequentar a distante FAFI. Era preciso se formar para continuar lecionando  e receber um pouco mais  de proventos para dar conforto aos filhos e garantir a eles que pudessem estudar.  Hoje, todos eles engenheiros bem-sucedidos. Valeu a pena,  os quilômetros percorridos passaram a serem apenas  algumas quadras.
Muitas vezes com vontade de jogar tudo para o alto, mas a família, os filhos grandes valores, precisam serem cuidados  e, assim esquecer as mágoas, tocar o barco sempre em busca do horizonte.
O mais dolorido nessa vivência começada por dois enamorados, foi que todas as manhãs, quando ela se levantava, o chimarrão estava pronto. Ia para a escola satisfeita com a vida.
Pensava ela:
- É um carinho feito para mim  e, recordava os tempos idos quando  na plenitude do amor prepararam os dois juntos a lista do que iriam comprar na quitanda da esquina..  A casa quase construída, pequena, de apenas quatro cômodos  e um banheiro. Ela era a materialização de um sonho amoroso.
A erva- mate do chimarrão, uma cuia e uma bomba, encabeçavam a lista. A moça bonita não tomava café e nem leite. O chimarrão era bebida matinal. O amor assim também foi mantido e alimentado pela cuia  de mate preparada. O tocar das mãos era um afago diário.
O senhor, companheiro de tanto tempo, resolveu fazer um implante dentário, dar uma ajeitada para o sorriso ficar mais bonito. Era um homem vaidoso. Na manhã seguinte, o chimarrão não estava pronto.
- Pensou ela: deve estar doendo muito e preparou  o seu café,  que era a cuia de mate.
Passaram-se mais dois dias e nada do habitual mate quentinho.
Na terceira manhã ela perguntou:
- Você não vai fazer o chimarrão?
E, a resposta foi muito dura. Foi o desmoronar de uma realidade prazerosa.  Antes não tivesse perguntado. Mas melhor assim. Continuar vivendo de ilusão, também não faz bem.
Depois de 30 anos, de convívio, de uma doce ilusão, ouviu:
- Não posso tomar chimarrão, por que vou fazer?
Trinta anos, um tempo muito longo, mas alimentou uma realidade e um casamento amoroso.

 

 

 
 
Poema publicado na "Seleta de Contos de Autores Premiados"- Edição Especial - Janeiro de 2017