Marina Moreno Leite Gentile
São Paulo / SP

 

 

O órfão Zé da Roça

                

 

O Zé da roça era o quarto filho de um total de nove, e era apenas um garoto quando seu pai faleceu de meningite.  A mãe era uma típica dona de casa.  Ele não foi alfabetizado, apenas tinha habilidade para trabalhar na roça.  Não houve tempo para o  jovem órfão adquirir ensinamentos do pai na questão sobrevivência, portanto quando o pai faleceu, resumia-se num adolescente assustado.

O inventário foi realizado no prazo normal, concluído após alguns anos,  conforme a lei. Assim como os demais herdeiros, Zé da Roça  recebera a sua parte  e ao assumir o seu direito, confidenciou para sua mãe o que pensava:

 - Mãe, tenho muita terra, mas não sei por onde começar. Nunca sai daqui, não sei ler e escrever, sem dinheiro o que posso fazer?  A mãe não soube responder, a não ser com o silêncio.

Sem condições para implantar algo produtivo em suas terras, o Zé da Roça conseguiu um trabalho em uma fazenda vizinha.  Foi a forma mais rápida de sobreviver por algum tempo.

As grandes propriedades sobressaíam, tinham  vantagens.  As atividades principais na região eram gado de leite e de corte.  Seus dois irmãos maiores estavam em condições mais favoráveis, haviam trabalhado com o finado pai.  Tornaram-se os mais prósperos fazendeiros da região.   Ele, o Zé da Roça, ainda continuava sem rumo.

O tempo  passava aos trancos e barrancos para o órfão Zé, até que aos vinte e oito anos ele casa-se com uma prima.  Após o casamento ele conseguiu um empréstimo, tentou implantar atividades lucrativas em suas terras,  mas não obteve bom resultado.  Nada lucrou, todavia a  ninguém causou prejuízo.

Apesar de toda dificuldade,  é bom lembrar que o Zé da Roca era um bom filho, bom irmão, carinhoso.  Cuidou da mãe até o final da vida.  Teve a sorte de ter escolhido uma esposa que amava a sogra.

Final da década de 20  uma  crise abala o mundo,  também atingiu aquele órfão.  A situação ficou insustentável para todos, então decidiu desfazer das terras, partiu com a família para outra cidade onde a esposa havia recebido um casarão como herança.  O casarão era espaçoso  e os filhos viveriam ali como uma das melhores fases da vida. 

Estavam bem acomodados,  mas faltavam as condições para manter tudo aquilo. Aos poucos as reservas financeiras findaram e o desespero fechava-lhe a visão de oportunidades. E assim o Zé da Roça  decide desfazer-se do casarão,  outra tentativa para melhorar a vida.  A esposa não teve escolha, teve que concordar. A sina da família era desfazer das propriedades, assim eram os comentários.

Venda concretizada, se mudaram para outro local, onde ele adquiriu uma casa no centro,  um sítio  e um carro de boi para trabalhar. Passaram-se alguns anos, até que  outras situações difíceis  levaram o Zé da Roça a novamente desfazer-se de  mais uma parte do patrimônio. Vendera o sítio e uma parte do terreno da casa.

O Zé da Roça não foi próspero, todavia sabemos que ninguém carrega bens materiais para o túmulo.   Fica a dignidade e isto ninguém tira.  Os bens são trocados de mãos.

Nesta trajetória de dificuldade,  os filhos do Zé da  Roça não tinham mais as terras que pertenciam ao finado avô, nem o casarão, nem o sítio, nem parte do terreno.   Sobrara apenas uma casa, outra história!  

 

 
 
Publicado no Livro "Bem-me-quer, Malmequer" - Edição 2018 - Março de 2019