Marina Moreno Leite Gentile
São Paulo / SP

 

 

A garota do sítio

 

            

Alyona  era uma garota carinhosa, atenciosa com seus pais e irmãos, sempre muito sorridente.  Todas as manhãs ela seguia junto com a mãe para a lavoura do pequeno sítio que possuíam. Ali tinham diversas plantações,  então todos faziam um pouco de cada coisa.  Capinavam, aravam, plantavam,  colhiam, etc.   Aos sábados seguiam para a feira popular,  com o objetivo de vender a colheita, ao mesmo tempo comprar coisas necessárias que não tinham no sítio.
Durante a semana, a garota Alyona seguia rumo à escola, no período da tarde.  Já chegava cansada, mas era esforçada.  Era uma escola rural,  todos os colegas tinham a mesma realidade.   Alguns eram conformados com a vida que tinham,  outros não.  Alyona  se diferenciava pelo gosto do aprendizado.   Ela vislumbrava um mundo diferente,  sem tanto esforço físico.  Não queria ser igual a seus pais, desejava estudar e mudar o destino.   
Quando tinha aproximadamente 17 anos ela começou a namorar um rapaz, residente no sítio vizinho.   Naquele tempo,  bem cedo as famílias começavam a preparar o enxoval das garotas.  Muitas pecas eram bordadas pelas avós, mães e tias.  Cada um colaborava como podia, para ter um enxoval bonito.  Era costume reservar uma arca ou gaveta especial,  para estas peças.  Quando chegava alguma visita interessante,  era costume mostrar  a coleção.  Tudo indicava que em breve teria um novo casamento, mas algo aconteceu inesperadamente.    Sua mãe passou a sentir dores intensas,  foi diagnosticada com uma doença rara.  Então decidiram seguir para o Rio de Janeiro,   a fim de  consultar um médico especializado. Ficaram na casa de uma pessoa da família.   A mãe não podia ir sozinha,  levou a filha Alyona como acompanhante.
Chegando ao Rio de Janeiro,  apesar da fragilidade do momento, a garota ficou encantada com a cidade.  Tudo era novidade.  Felizmente sua mãe conseguira agendar a consulta,  fazer os exames necessários, enfim,  tudo seguia a contento.  A mãe enferma iniciou o tratamento, então a filha retornou ao sítio para resolver uns assuntos que ficaram pendentes.  Ao chegar ao sítio, colocou muitas coisas em ordem,  ajudou no que pôde. Apesar do período curto no RJ, já mudara algumas coisas,  já sentira o gosto da outra cidade.  Em poucos dias  retornou ao Rio de Janeiro, pois a mãe precisava dela.   Sentia a falta do namorado, mas tinha esperança que ele pudesse fazer algo, ir para lá também.    Mas isto não acontecera,  ele era arrimo de família, não podia deixar os pais sozinhos.  
O tratamento era penoso,   a filha ficava esperando a mãe,  muito ansiosa, em uma praça defronte ao hospital.    Sempre portava um livro para ler, mas às vezes nem conseguia se concentrar.    Certo dia, no mesmo local de sempre,  percebeu que um rapaz olhava para ela, de um jeito diferente.   Em outra data,   novamente percebera os olhares do mesmo rapaz.   Um sorriso inocente da parte dela fez com que ele se aproximasse,  dai em diante ele sempre ia até a praça, nos horários que ela estava lá.   Ele era jornalista, trabalhava próximo do hospital,   passava pela praça com frequência e muitas vezes sentava ali para fumar, pensar.
Era um conquistador,  experiente e falante,  não foi difícil conquista-la.   A garota encantara-se pelo rapaz, nem se lembrava do namorado que tinha.   A mãe não gostou da amizade da filha,  mas também não a impedira de se encontrar com ele.  Ele prometera mostrar um monte de lugares bonitos para ela, o que a deixou deslumbrada.  Foram dias atípicos e encantados,  para a garota do sítio.
No final de agosto daquele ano,  felizmente chega a notícia boa.  Ambas poderiam retornar para casa.   O tratamento tivera bom resultado, o pesadelo acabara.   Todos ficaram felizes, imediatamente o tio providenciou a compra da passagem para as duas.  Ao contrário do esperado,   a garota chorou muito.  Seu coração pedia para ficar, mas não podia.    O namorado do sítio a esperava,  com a compromisso de casarem assim que ela retornasse.

Ambas voltaram para o sítio,  o casamento foi marcado.   A festa comemorava não só o enlace matrimonial, mas também a vitória de Dna Tania.   A noiva estava linda, porém não demonstrava estar feliz como deveria. Algo acontecera em seu coração.  A festa foi uma beleza, muita comida, dança,  muita gente reunida.    De repente ela sentiu-se mal,  teve que sair apressada para um local reservado.   Acharam muito estranho, mas a festa continuou.  Os noivos saíram mais cedo.   Devido a colheita daquele período, nem puderam viajar,  foram direto para a casa nova do casal. A partir de então os dois sítios ficaram unidos pelo matrimonio dos dois, as respectivas famílias estavam felizes.  A cereja do bolo acontecera, ela engravidara rápido,  era tudo que queriam,  pois seria o primeiro neto para as duas famílias.
Mas algo estranho estava acontecendo,  ela não era a mesma,  depois do retorno do Rio de Janeiro.   Ficava silenciosa, pensativa,  olhares distantes.       O bebê nasceu  antes do tempo previsto,  com apenas sete meses!  Acontece que, para desespero do marido e dela também, a conta não batia.  O tamanho do bebê não conferia.   Naquele tempo se casava virgem,  havia apenas cinco meses que os dois tinham casado.  Foi o início de um pesadelo,  a resposta era evidente. O casamento foi anulado.   Que escândalo, que tortura!   A garota do sítio foi expulsa de casa, com o bebê. Era um tempo que mãe solteira sofria todos os absurdos. 
Depois disto ela procurou o verdadeiro pai, mas ele não assumiu a responsabilidade.   O sujeito ficou famoso, não havia teste de DNA na época.   A solução foi assumir a vida sozinha, mudar para bem longe, onde ninguém a conhecia.   Lutou muito, mas venceu. 
Passaram-se anos.  Quanto ao verdadeiro pai, morreu negando, todavia  a semelhança física não negava.   Diante da decepção,  da fama dele,  de não ter como provar,  ela  guardou para si o segredo.       Um dia tomou coragem e contou a história para a filha, contudo,  já que o pai era morto,  sem tê-la reconhecido,    fazendo  a mãe sofrer muito,   então a filha passou uma borracha na história.   Foi assim.  Ah se existisse o teste de DNA naquela época!

 

 

 

 
 
Poema publicado no livro "Casos da Meia-noite" - Edição 2019 - Novembro de 2019