Claudia Fontenele Alves da Silva
Brasília / DF

 

 

Uma questão de ética

                

               Carlos e Clarice foram convidados para passarem as festividades de fim de ano na casa de seus amigos André e Berenice. Essas festividades sempre eram regadas com muita bebida. Todos estavam se divertindo bastante. O mesmo estava ocorrendo nas casas da vizinhança.
                Em um dado momento, Clarice começou sentir dores fortíssimas no pé da barriga. Ela começou a vomitar e, desmaiou. Todos ficaram apreensivos. Seria necessário leva-la para o hospital. E o que fazer?  Carlos havia bebido muito. Ele sabia que não poderia sair alcoolizado. André também estava embriagado. Berenice sabia dirigir, porém estava com a habilitação vencida.
                Como cidadãos conscientes de suas obrigações, eles resolveram ligar para um serviço de táxi. Nenhum deles estava apto para dirigir, pois poderiam colocar em risco a vida de Clarice e também das outras pessoas com as quais viessem a encontrar no percurso até o hospital.
                O taxista não demorou chegar. Colocaram Clarice no banco traseiro do carro. Carlos foi acompanhando-a.
                Ao adentrarem no hospital público, ambos tiveram que esperar na fila para o atendimento necessário.
                Carlos estava preocupadíssimo. Clarice não estava bem.
                - Por favor, Senhora. É possível antecipar o atendimento da minha esposa?! Ela não está muito bem.
                A atendente do hospital fechou a cara para Carlos e disse:
                - Se o senhor quer um atendimento rápido, deveria ter ido a um hospital particular. O médico de plantão está tomando um lanche. Queira esperar.
                Nessa altura da situação, Carlos olhou a sua volta. Tinham inúmeras pessoas aguardando o atendimento. Em especial, havia uma mulher que parecia prestes a dar a luz.
                Ele foi ficando impaciente. Onde estava o médico? Pensou. As pessoas pagam tantos impostos e, na hora de serem atendidos com dignidade nos hospitais, há um descaso tremendo por parte dos agentes hospitalares e médicos.
                Saber que a ética ou filosofia moral – que se ocupa com as reflexões acerca das noções e princípios que fundamentam a vida moral – não era suficiente para Carlos. Ele tentou permanecer calmo, pois tinha consciência que a atendente não estava errada. Ela precisava respeitar a ordem de chegada, bem como passar na frente os casos mais graves.
                O Estado é responsável por garantir para todos os seus cidadãos seus direitos tais como vida, segurança, educação, saúde e trabalho, entre outros.
                Às vezes, precisamos parar para refletir que pelo simples fato de possuirmos uma certidão de nascimento, ser contribuintes do fisco e estarmos em dia com as nossas obrigações eleitorais, não nos garantem o que reza a Constituição Federal em seu artigo 5°.
                Ser cidadão, e principalmente, cidadão brasileiro nos garante em lei a possibilidade de ter uma vida digna, bem como poder definir o nosso futuro e de intervir na vida política do nosso país, tendo para isso, acesso a serviços de saúde e educação de qualidade, bem como à informação transparente por parte do Estado.
 Carlos aguardou o atendimento de Clarice porque reconheceu que todos ali no hospital estavam amparados pela Constituição, bem como agiu moralmente, sabendo que todos estavam sujeitos às regras de conduta da convivência em suas relações interpessoais. A percepção do bem-estar de Clarice não poderia desrespeitar o direito dos seus outros semelhantes.
                Todos foram atendidos. E Carlos pode retornar para casa juntamente com Clarice, sabendo que a sua consciência moral foi correta, tanto na hora que escolheu chamar o taxista quanto esperar a vez no atendimento no hospital.

 

 

 

 

 
 
Publicado no Livro "É tão verdade que ninguém duvida..." - Edição 2019 - Junho de 2019