Maria Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso / MG

 

Papel invertido

 

               

          Era uma vez um menino loiro. Eu o conheci na escola onde trabalhava. Logo percebemos que ele era diferente. Talvez um tanto atrasado na idade mental, em relação à cronológica. Não sei bem. Foi para lá, mais ou menos com sete anos de idade, para ser alfabetizado. Inquieto, deu muito trabalho aos professores que se esforçavam para mantê-lo em pé de igualdade com os demais colegas. Tarefa difícil, pois, décadas atrás, ninguém estava preparado para a inclusão. Que eu me lembre, estudou na referida escola por apenas um ano, indo depois para um atendimento especializado.
          O que me chamou mais a atenção durante esse pequeno tempo, foi o papel da mãe. Uma jovem senhora com um semblante sério. Dava a impressão de que não sabia sorrir. Transmitia no olhar um sofrimento contido. Tratava o filho com carinho. Todos os dias, ela o levava à escola segurando sua mãozinha, como a lhe direcionar a vida. Ela ia à frente, ele um passo atrás. No final das aulas lá estava ela, ereta do lado de fora do portão, esperando pelo garoto louro que logo surgia. Novamente segurava sua mão e os dois caminhavam até sumir de vista. Tinha a impressão de que o menino era o mundo da mãe e ela o seu mundo.
          Depois desse ano não tive mais contato com eles. Esporadicamente os via nas ruas da pequena cidade. Davam a notar que não estavam passeando e sim seguindo um rumo certo: banco, mercado ou alguma loja, para logo retornarem à casa. A mãe sempre de mãos dadas com o filho, agora já um rapazinho.
          Fiquei um longo tempo sem avistá-los. Na verdade, parecia tê-los esquecido.
          Há poucos dias, eu estava retornando para casa de carro e os avistei perto do centro da cidade. Levei um baque. A mãe, envelhecida, estava toda curvada. O filho, homem feito, ia à frente conduzindo a mãe pela mão que agora o seguia um passo atrás.

 

 

 

 
 
Publicado no Livro "O Jogo da Vida" - Edição 2018 - Outubro de 2018