Romilton Batista de Oliveira
Itabuna / BA

 

O catador de sentidos

 

       

Numa pequena cidade rodeada de gente de todas as idades morava um ilustre morador que nunca se cansava de escrever como nos velhos tempos... Não me recordo bem de seu nome, mas todos naquela fantasmática cidade o chamavam de O Catador de Palavras. Também viviam lá outros ilustres moradores, como o Sr. Caçador de Mágoas, homem cujo rosto escondia rugas um coletivo de salientes mágoas de longa duração. Ele só dialogava com outros que também carregavam consigo o peso das mágoas molhadas pelo tempo seco. O Caçador de Mágoas era o tipo de homem que possuía um discurso trancado a sete chaves, mas ele tinha uma capacidade incrível de detectar no outro as escondidas silenciosas mágoas do tempo.
Havia uma outra celebridade cujo nome nunca foi revelado nem a si mesmo, mas todos o conheciam pelo nome Caçador de histórias. O homem vivia ouvindo o povo a contar suas histórias. Era um sábio ouvinte como nunca se viu naquela movimentada cidade. As pessoas que lá viviam diziam uns aos outros que não há na terra lugar como Catastrolândia. Todo dia algo diferente acontecia. O sol não brilhou. A noite não veio. O machado quebrou quando saltou do chão a onça pintada de sete cores, animal muito estimado por seus moradores, pois ela era mansa e às vezes, em noites intensas ela brilhava com as suas cores. O Catador de Palavras que o diga! Homem mais sábio que existe não há em Catastrolândia! Vivia só em seu palácio repleto de janelas, portas e corredores. Na frente da grande casa havia um Jardim onde, segundo os moradores da cidade, tudo se move, tudo possui vida, sons e ruídos transformados em signos vivos por seu proprietário que escreve dia e noite sobre as velhas e as novas palavras que ele descobre. Outros moradores desta movente cidade também o chamam de Caçador dos Sentidos, pois quando ele achava uma palavra logo encontrava o sentido que a acompanhava.
A cidade de nome vivo guarda dentro dela muitos acontecimentos, desde a época de 1960 quando seus moradores perturbados por tamanha injustiça cometida por estranhos sujeitos que queriam tomar, domar e dominar aquela terra onde rei existia e negros passeavam a conversar nas extensas ruas, estendidas ao largo sol que se esparramava por todos os outros fantasmáticos lugares. Neste ano muito sangue foi derramado em sua sofrida terra, mas só veio a se libertar dos ditos colonizadores quando a liberdade brotou de uma semente germinada no grito de milhares de homens e mulheres desorientados, loucos de tanta ingratidão, loucos de tanta loucura de raça, fé e fogo.
Mas voltemos ao protagonista dessa história que atravessou o tempo e a humanidade nunca esqueceu de suas sangrentas guerras. Da guerra ela, nem nenhuma outra cidade, ficará livre, pois o homem é feito deste tecido bélico que está sempre a manchar o discurso histórico desde a época da “Idade dos Sem Pedra”, bem antes mesmo da “Idade da Pedra Lascada” ou da “Pedra Perdida”. Até hoje o homem busca tal pedra perdida, pedra que vale mais que ouro ou o mais precioso diamante dos diamantes…
Voltemos ao nosso homem, o Catador de Palavras. Um escritor. Não! Um poeta. Não! Um escavador. Também não. Ele era simplesmente o Catador de Palavras. Para cada sentimento ou desabafo expresso, ele definia por meio de uma só palavra. O Catador de Sentidos dizia que a vida é um amontoado de palavras que o sujeito arruma desde o seu nascimento. Há sempre uma palavra a ser explorada. Há sempre uma palavra a ser descoberta. Há sempre uma palavra a ser inventada, criada. Mas, o próprio Catador de Palavras disse em uma de suas conversas que há momentos em que elas, as palavras, surgem como “fantasmas”. Alguns fantasmas nos orientam a seguir a estrada certa; há outros fantasmas que nos fazem ficar inseguros e duvidosos; ainda há outros fantasmas que apontam um caminho, e uns seguem e outros não. O Catador de Palavras descobriu um segredo quando ele estava a sonhar, e o sonho mostrava a ele duas pontes: uma quebrada, onde poucas pessoas passavam por ela, e outra ponte perfeita, onde várias pessoas passavam apressadamente. Mas, o Catador de Palavras, depois do sonho, percebeu que algo havia esquecido dele e que só depois de alguns meses veio se lembrar… Havia a terceira ponte onde apenas uma pessoa tentava passá-la, e esta pessoa era ele. Pensou ele: A ponte que temos que passar depende de nossas escolhas. Havia três pontes, e ele escolheu passar exatamente por uma que ninguém escolhia passar por ela: era a ponte da catástrofe. E de catástrofe a catástrofe, a vida se faz, e é nessa feitura que se encontra o abrigo certo de novos fazeres… A vida, então, segundo o pensador, Catador de Palavras, se constrói por meio de pequenas e grandes catástrofes, e delas ninguém escapa. É dela que se faz a história de um povo.
O Catador de Sentidos, um dia, quando lhe disseram que o nome de sua cidade seria mudado, não seria mais Catastrolândia e sim Alegrolândia, arrumou sua mala, abandonou toda a sua grande casa e foi-se embora. Nunca mais tivemos notícia do Catador de Sentidos. Segundo os outros Catadores que lá ficaram, ele, provavelmente, está a morar numa cidade chamada Polifonia, muito longe daqui, perto de um grande rio chamado Heterogeneidade, onde nenhuma alegria ou qualquer espécie de felicidade absoluta lá possa entrar…

 

 

 
 
Publicado no Livro "O Jogo da Vida" - Edição 2018 - Outubro de 2018