Claudia Fontenele Alves da Silva
Águas Claras / DF

 

 

E as folhas caíram

 

Quando as folhas caíssem, significaria que os dias primaveris já haviam passado. Era hora de olhar para o horizonte e encarar a triste realidade de Clarice: o abandono, a solidão, e o recomeço.
Clarice era uma mulher de hábitos frugais. Gostava da rotina de sua vida de dona de casa, mãe e esposa. O que ela não contava era com a reviravolta que sua vida tomaria.
Clarice havia chegado aos cinquenta anos com grandes sonhos, com o frescor das paixões da mocidade em suas veias, e com a segurança de uma família bem estabelecida. Ela não imaginava que, no entanto, uma sombra pairava sobre o seu futuro.
Todos os anos, em suas férias, Clarice e sua família buscavam sair do aconchego da cidade em que viviam e se aventuravam pelas estradas do Brasil. Eles amavam viajar de carro, conhecendo as paisagens paradisíacasdo nordeste.
As férias transcorreram normalmente. Reviram os amigos e os parentes. Porém, no coração de Clarice havia muitas indagações. Por que as férias não foram como antes? Por que o marido parecia outra pessoa? Por que os filhos não conseguiam enxergar a mudança em seus pais? Por que aquele sorriso amarelado nos lábios era apenas a expressão exterior de um vazio que persistia no peito?
Não demorou muito a triste constatação: O casamento ruiu. Os sonhos desmoronaram. As últimas folhas do outono caíram. Era hora de recomeçar.
Recomeçar de que maneira? Fazer de conta que tudo tinha sido um conto de fadas ou imaginar que estivera errada acerca dos sentimentos do seu marido?
Clarice arregaçou as mangas. Precisava voltar ao mercado de trabalho.
Voltou a estudar e, apaixonadamente, passou a escrever crônicas para o Diário Cristão, um jornal de circulação semanal. Crônicas do seu cotidiano, e também dos seus amigos e familiares eram escritos com avidez. Ela tinha necessidade de relatar as mazelas da alma, mas também tinha o desejo de ser uma voz para os marginalizados e rejeitados de uma sociedade hipócrita.
Clarice percebeu o quanto as pessoas eram preconceituosas. Diziam estar preocupadas com as dores e o sofrimento do próximo; diziam que podiam contar com elas na hora da adversidade, mas ficavam apenas no discurso. Ela mesma era uma vítima da traição e do descaso da sociedade.
Quando o marido a abandonou, deixou-a com muitas dívidas e, com a incerteza de onde ela iria morar com os filhos. Os filhos tinham que enfrentar uma realidade dura: de agora em diante, as moedas tinham que ser contadas, pois os recursos eram parcos; já não podiam mais contar com as férias em família nem com as regalias dos finais de semana. A própria Clarice deixou de ser uma beldade que frequentava os salões e o shopping; que amava ajudar os carentes e, que frequentava a igreja dominicalmente.
Sua família não encontrou o apoio dos amigos, da igreja e de alguns parentes. Eles ficaram revoltados. Quase desanimaram, e desistiram de tentar entender o que havia acontecido de fato.
Para Clarice foi muitíssimo difícil compreender que o amor havia acabado. Mas, quando foi que acabou, era a indagação que ela fazia todos os dias. A dor era imensurável. Os próprios filhos não a compreendiam.
Ela teve que enxugar o pranto, engolir o orgulho e, caminhar numa nova direção. Percebeu que a revolta era contra o próprio Deus, por Ele ter permitido o fim do casamento. Percebeu, ainda, que precisava abandonar a autopiedade e a vitimização. O que importava não era o por quê? O que importava, de fato, era como ela iria reagir às angústias e tribulações advindas.
Clarice foi à luta. Passou a escrever uma nova história. Não ficaria paralisada pelo medo. Não deixaria que ninguém a olhasse com desdém e desrespeito. O soberano Deus não a havia abandonado. Ele estava extraindo dela o puro ouro; o ouro precioso que reluz ao passar pelo fogo.
Quando as últimas folhas caíram, Clarice percebeu, na multidão, um rosto que lhe inspirou um novo sentimento.  Ela reconheceu que as cicatrizes ficariam para sempre. Que nada poderia apagar os acontecimentos ocorridos. No entanto, aquele ódio que insistia em permanecer no coração dela, e a raiva pela traição, já não a afetariam mais. O rosto foi se aformoseando, uma vez que o seu coração estava em paz. Ela se viu, outra vez, amando...
Amando o céu azulado. Amando o burburinho das águas. Amando as cores do arco-íris, logo depois da chuva. Amando o sossego e a calmaria nas tempestades da vida. Amando os sorrisos e os abraços dos filhos. Amando o simples fato de viver! E, quem sabe, amando o inevitável?! Amando ser coadjuvante em sua história. E, por quê? Porque a boa obra que Deus começou nela, Ele mesmo há de completá-la até o Dia de Cristo Jesus.

 

 

 

 
 
Publicado no Livro "Seleta de Contos de Autores Premiados" - Edição 2018 - Setembro de 2018