Maria Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso / MG

 

 

Empurra-empurra

                

 

 

          Era um dia de primavera, com um sol tão escaldante, que mais parecia alto verão. Preguiçosamente, fazia as tarefas domésticas querendo terminar logo para me refrescar.
          Nesse ínterim o telefone toca. A contragosto, tive que sair de casa para levar um documento ao escritório do meu irmão. Apesar de usar o carro, quando cheguei ao local estava toda encalorada. Desci e o que vi bem na porta do escritório me deixou perplexa: um homem de boa aparência estava deitado no passeio debaixo de um sol abrasador. Seu rosto, muito vermelho, não se moveu quando falei: - Senhor! Senhor!
          Entrei no escritório e contei o fato para um funcionário, já que meu irmão não estava.
          -Vamos chamar o socorro. Corpo de Bombeiros ou o Samu? - Optamos pelo primeiro.
          -Por favor, venham até o endereço (e falei onde estávamos), pois aqui tem um senhor desmaiado debaixo desse sol todo.
          -Infelizmente não podemos nos deslocar.
          -Acho que se ele continuar aqui vai morrer.
          -Tentem o Samu.
          Desliguei o telefone desapontada e liguei para o Samu. Contei o que se passava.
          - Não podemos atendê-la.
          -Como? Estamos com um homem desmaiado debaixo desse sol.
          -Chamem o Corpo de Bombeiros.
          -Já chamei e eles disseram para acioná-los.
          - Bem, então faremos o possível.
          Saí dali indignada. Apesar de saber que aquele homem estava ali sob o efeito do álcool, achei que merecia um pouco de atenção.
          Mais tarde, contei o fato ao meu irmão, que disse meio irônico:
          - Por que vocês não o pegaram pelos braços e pernas e o colocaram na sombra?
          - Não deixa de ser uma ideia para outra vez.
          No outro dia, soube que o Samu foi até o local. O que fizeram? Tiraram o homem do sol e o colocaram na sombra.

          Senti (não sei se foi só impressão) um empurra-empurra no atendimento de emergência. Serviu para que eu ficasse sabendo que nenhum dos dois atende bebum.

 

 

 

 

 
 
Publicado no Livro "Vox populi, vox Dei" - Edição 2019 - Agosto de 2019