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Romilton Batista de Oliveira
Itabuna / BA

 

 

Sombras do passado

 

Ele é realmente um homem que vive à sombra do passado. Nunca se esqueceu daquele fato que marcou muito a sua vida. Ele viveu um romance que durou apenas três anos, mas ele amou com toda a força de todo o seu sentimento. Foi o seu primeiro e único amor. Um amor que foi compartilhado, juramentado e sobre a promessa de uma vida eterna, sem traição, sem esconderijos. Mas ele precisou passar uma semana fora, em viagem ao Estado do Rio Grande do Norte para prestar um concurso muito importante em sua vida. Ao retornar à sua casa, lá estava um bilhete de seu amor, dizendo que teve que viajar às pressas para participar de um congresso religioso. O amor de João António Neto era tão forte e cego que nem procurou contestar a sua amada, confiando naquele bilhete romanticamente escrito, pensava ele.
Passara uma semana e nada de notícias. Ele preocupado ligava para o celular, mas só dava na caixa postal. Ele foi visitado por um sobrinho que muito entendia de computação e ao mexer no notebook de seu tio descobriu um bate-papo de relacionamento sexual na internet. E assim ele disse para o seu tio:
– Tio Neto, acabo de descobrir algo que você não vai gostar de ler. Mas, você precisa ler essas várias declarações de amor que eu acabo de ler aqui em seu computador, guardado a sete chaves, guardado num lugar que o senhor jamais descobriria, pois eu só descobri porque eu sou técnico em informática. Leia!
João António Neto leu e não acreditou no que estava lendo. Seus olhos se encheram de água. Ali estava o fim de um relacionamento de mais de quatro anos. Ele imediatamente procurou uma pessoa que poderia lhe complementar o que estava acontecendo, uma colega de igreja de sua amada, e ela informara que a igreja não tinha não estava participando de nenhum congresso. Rapidamente, com a ajuda de seu sobrinho, o mistério foi resolvido: a traição estava exposta às claras. Neto pegou todos os pertences e roupas daquela que ele acreditara ser o seu grande amor da vida.
Chorou, sofreu muito, e depois de alguns meses ele recebe um telefonema: era ela pedindo-lhe perdão e implorando voltar, arrependida de tudo o que fez. Neto não a perdoou pois ele havia feito uma promessa em conjunto com ela de que jamais um trairia o outro por nada neste mundo. Pensava ele consigo mesmo: “Quem uma vez trai, trai novamente, basta aparecer novas oportunidades. Onde há amor verdadeiramente não há traição, porque quando a traição aparece significa que a confiança é abalada. Quem trai não ama, mas quem ama se guarda porque o amor é um sentimento profundo que não combina com o seu lado oposto: o ódio. Assim quem trai odeia o seu amado. E onde reina o ódio, o amor desaparece”.
Depois de alguns passados seis anos, ele entendeu que se no passado não tivesse acontecido tamanha tragédia, ele não teria chegado aonde ele chegou. Hoje ele está prestes a realizar seu grande sonho: ser Doutor em Cultura e Memória e um contista e poeta que escreve inspirado em sua própria experiência e nas experiências vivenciadas por terceiros. Sua vida deu uma guinada subjetiva extraordinária. Hoje Neto está prestes a receber o seu diploma e publicar o seu sétimo livro intitulado O poder da experiência e da memória numa dimensão lusófona e africana vida humana, pela editora CBJE.
Definitivamente ele perdoou aquela que na realidade não lhe fizera nenhum mal, apenas lhe fizera bem porque a traição abriu várias janelas em sua vida: janelas que lhe fez entender melhor a existência humana, a sociedade e a sua difícil trajetória enquanto poeta pertencente a um mundo problemático e em eterno estado de construção, desconstrução e reconstrução de seus valores culturais. Mas ele não se libertou das “sombras” que este passado deixou para sempre dentro de seu vasto mundo interior, mesmo sabendo que este traumático acontecimento lhe fez ser o que ele realmente hoje é: um homem realizado intelectualmente. Mas esta sombra tirou de si uma parte romântica que ele tinha e que jamais, acredita ele, será recuperada. Ele foi realmente tocado pela “ferida”, ou como bem afirma o professor e pesquisador Seligmann-Silva, pelo trauma. Neto vive uma vida tranquila e próspera, mas ele jamais foi capaz de amar mais ninguém com a força poética que habitava o seu mundo interior.

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos Livres" - Abril de 2016