Primeira vez neste site? Então
[clique aqui]
para conhecer um pouco da CBJE
Antologias: atendimento@camarabrasileira.com
Produção de livros: cbje@globo.com
Contato por telefone
Antologias:
(21) 3393 2163
Produção de livros:
(21) 3547 2163
(21) 3186 7547

Rubens Alves Ferreira
Taguatinga / DF

 

Moleques - V

 

 – Moço! Qué comprá tomate?
 – Não. Garoto.
 – Sinhora! Aceita tomate?
– Obrigada! Filho, hoje não.
 – Ei! Pergunta sua mãe se qué tomate.
 – Qué não sô!!!
O sol da meia tarde a pino e Carlinhos anda que anda; e senta para colocar o grampo que se soltou da tira – debaixo das havaianas. E anda, anda... “oh dona! oia o tomate! A sinhora qué?” – “Agora não filho! ”. E a tira solta de novo e o sol castiga... “Olha o tomaaate.. tumati... quem qué tumate? Olha o to-ma-te. ”.  –  . Com o tempo de uso, as sandálias costumam soltar ou quebrar as presilhas das tiras na sola. Para continuar usando-as, toma-se um grampo de cabelo de mulher ou um prego com ponta bem fina e algo para servir de martelo. Ao tentar furar a tira, esta rola, gira e escorrega; mas depois de algum tempo e paciência, abre-se um furo onde se introduz uma das hastes do grampo para travá-la. Embora apertada, a sandália continue com condições de uso.
Sandália nova. “Vamo que vamo! ”. Toda essa movimentação era que após Carlinhos chegar da escola, almoçava e por volta das 14 horas ia vender tomates, bananas e outros vegetais. Uns tomatões. Grandes mesmo! O emprego foi um pedido feito a sua avó por uma parenta. Na rua, depois de vagar até as 17 horas aproximadamente, voltavam para a casa da patroa com os corpos flácidos e cansados – os tomates e o Carlinhos. Geralmente não vendia nada; mas sempre retornava para a casa dos avós com o pagamento do dia: um dos tomates. Um tomatão. Grande mesmo! Tomate não estimulava muito o interesse; mas quando era banana ficava aquele namoro platônico. Bem na hora da merenda.
A benfeitora do Carlinhos, ao que parece, vendia esses produtos para não jogar fora. Com tanta fartura essa senhora quando visitava os avós do menino levava apenas arroz; e gabava-se de ser muito caridosa. Eram fazendeiros e em sua residência tudo era grande. Não tanto como a casa aonde Carlos ia pegar capim para os coelhos e preás de Ângela, a filha da patroa.  A começar pela frente ampla, trabalhada em muro e grade estilo colonial (desenhos e afrescos); um enorme espaço à frente da casa com gramado e jardim. A casa imponente era separada, ao fundo, de outra construção que lembrava um coreto ou quiosque, onde funcionava a cozinha, uma área de serviço, outra casa menor e um galpão com portão independente que funcionava como depósito de implementos e ferramentas e contava com uma despensa separada para frutas e verduras. Havia uma área a parte com uma piscina e um deck, onde se dispunha o mobiliário próprio. Mais ao fundo do quintal, grande número de canteiros – de cenoura, alface, beterraba, nabo, rabanete, cebola, alho, e sabe mais... adiante passando por baixo de latadas de uva e maracujá, abria-se um pequeno pomar com algumas frutíferas onde o que chamou a atenção do menino foram as romãs; e, descendo pelo terreno, havia um alagadiço com muita vegetação que era chamado de brejo. Aí é que ele colhia o capim que tinha sido solicitado pela Ângela.
Carlinhos volta e meia arrumava alguma coisa para fazer. Ocasionalmente fazia faxina para uma tia sua, o que ajudava a comprar pães (ou broas, mais baratas) para o café da manhã. Durante a faxina, vez ou outra, o tio aparecia e se trancava no quarto com a tia. Carlinhos não entendia as piadas das quais a tia ficava rindo baixinho; mas, aproveitava a ocasião, para pegar o cofrinho – um boi de louça –, uma faca e correr para trás do depósito. A vizinha vendia um doce muito gostoso de coco queimado com leite. Aconteceu de certa vez, o tio sair do quarto antes do esperado. Nervoso e atabalhoado, o Carlinhos na volta precipitada quebrou o chifre do boi na quina da parede. Inocência colocá-lo no lugar achando que não seria apanhado; e mais precipitado, tentar mentir e acabar confessando tudo.
 Em outro trabalhinho, uma amiga da avó solicitou que ele entregasse marmitas, desde que não fosse acompanhado de Jericó. As entregas deveriam ser feitas em um setor de prestação de serviços e diversões públicas que o povo chamava de “Gato”. As funcionárias eram muito expansivas. Chegavam a colocar o Carlinhos no colo; uma moça bem jovem, inclusive, cismou com o garoto que tinha de empreender fuga quando ela aparecia. Com cheiro de perfume forte, bebidas, cigarro; muitas risadas e algazarra geral, o ambiente causava curiosidade no garoto. No caminho até lá era preciso atravessar um grande terreno com mato. Carlinhos então aproveitava para parar e descansar. Para ocupar o tempo aproveitava para abrir umas três marmitas do total de seis; então comia de cada uma um ovo frito, fechava tudo de novo e prosseguia no caminho. Essa atividade durou por certo tempo; e entre reclamações dos operários e servidoras; e ressalvas da fornecedora, ninguém entendia por que saiam dois ovos fritos na marmita e só chegava um; e ainda a discriminação de uns receberem dois ovos, enquanto outros recebiam apenas um. “É artimanha, mentira desses malandros” – dizia dona Silvina, a fornecedora das marmitas.
Houve um dia que depois desses afazeres, voltando para casa, Carlinhos passando em frente a uma casa, deu com uma porta de acesso a um lote, aberta; e jogado no chão, como se ninguém fizesse conta havia um único carrinho vermelho, dessas réplicas de coleção – muito bonito, apesar de sujo – provavelmente de um conjunto mal cuidado. Não havia ninguém por perto e ele achou que não seria errado pegar aquele brinquedo sujo e largado no chão e tomar conta dele. Em casa, depois de lavá-lo e começar a brincar e admirá-lo, sua tia Joana ficou curiosa e quis saber a origem. Carlinhos teve o cuidado de contar o que ocorreu, mas amenizando com a versão de tê-lo encontrado fora do lote. Isso depois de outras versões engasgadas e desencontradas. Sua tia exigiu a devolução e o acompanhou até o local onde se entendeu com a dona da casa e devolveu o brinquedo. A senhora quis que Carlinhos o levasse; mas Joana não permitiu. Em casa o “São José” quase que desceu da pendura para trabalhar. Bendita vó... Vozinha.
Apesar da idade e mais por influência de Jericó que por sua inclinação natural, Carlinhos começou a prestar atenção nas meninas. Mas essa é outra estória.

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos de Outono - Edição 2016" - Agosto de 2016