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Alberto Magno Ribeiro Montes
Belo Horizonte / MG

 

O homem que não queria nascer

 

Desde a sua concepção, XY imaginava quão bela deveria ser a vida aqui na Terra. Entretanto, à medida que seu corpo ia tomando forma e seu cérebro e ouvidos se desenvolviam, começou a prestar atenção aos sons que vinham do exterior do local em que vivia, e aos poucos, já conseguia distinguir a voz das pessoas, principalmente a de seus pais.
Sua mãe, à noite, assistia novelas na TV: muitas brigas, palavrões, uma gritaria danada, traições, desejos de vingança, maus exemplos… Depois era a vez de seus  pais ouvirem as notícias do dia. Somente coisas ruins: catástrofes ambientais, crimes hediondos, assassinatos, roubos, latrocínio, terrorismo, tráfico de drogas, de órgãos e de influências. E também, crise na política, falência nos sistemas de saúde, de educação e transporte, etc… etc… etc. Enfim… um mundo podre! E o pior: a impunidade imperando sobre tudo. Diante disso, decidiu que não queria viver num mundo tão cruel assim. Um dia, ouvira alguém dizer que lera num livro de Guimarães Rosa, que “Viver é muito perigoso”. Após isso, se ainda existia algum resquício de dúvida se valia ou não a pena arriscar-se a nascer, tais vestígios desapareceram para sempre. Ficaria mesmo era onde estava. Ali, tudo era aconchego, paz…nada lhe faltava. O lugar era quentinho, ele não sentia dores e tinha o sustento necessário, através da alimentação de sua mãe. Portanto não seria preciso mais nada!
Ao completar nove meses de gestação, sua mãe, ansiosa, foi ao médico, pois nada das contrações… nada de dilatação…nem da bolha querer romper-se. O Dr. então, sugeriu que ela voltasse para casa e aguardasse os acontecimentos, pois talvez houvesse se enganado nas datas…que esperasse um pouco mais.
E assim ela procedeu. Nove meses e meio e nada! No décimo mês, não aguentando mais, ela foi a um hospital, e desesperada, implorou ao médico: “Por favor, tire logo esse menino (já sabia que era do sexo masculino) de minha barriga, pois já estou esgotada de tanto carregar peso para cima e para baixo…Já não aguento mais de tanta dor nas pernas e na coluna! Além disso, a ansiedade está acabando comigo!” Decidiu-se então por uma cesárea, já que seu  corpo, não estava dando respostas de que a hora havia chegado naturalmente.
Feito isso, XY veio ao mundo numa manhã chuvosa e triste. Parecia que até o céu estava chorando pelo fato da sua vontade ter sido violada de forma tão covarde. Desde que nascera, chorava  copiosamente. Nem precisou da tradicional palmadinha para começar. Assim que viu a luz, rompendo-se assim o equilíbrio daquela simbiose perfeita, desatou a chorar. O primeiro pensamento que teve, foi de que nunca mais teria paz; de que nunca mais seria feliz. Tinha plena consciência de que somos felizes,  apenas antes de nascer. Primeiramente, viria o pior de tudo: a fome, como um enorme bicho de dentes afiados, insaciável, a corroer suas entranhas. Depois viriam as dores,  doenças diversas, o frio... À medida que crescesse e passasse a entender melhor as coisas, também viriam os questionamentos metafísicos, a certeza de que um dia iria morrer; e aí então, o sofrimento só se agravaria e só terminaria quando isso acontecesse.
Mesmo não parando de chorar, por nada deste mundo, sua mãe teve alta do hospital e levou-o para casa. Lá sim, chorou ainda mais…o tempo todo. Lá pelas  11 horas da noite, já exausto, por fim adormeceu e seus pais finalmente puderam dormir (“apagaram”, como se diz).
No dia seguinte, às 5 horas da manhã, ao acordarem, não ouviram mais choro. Pensaram que finalmente o  problema estava resolvido, que aquilo que incomodava e bebê havia se esvaído.
Ledo engano! Ao se aproximarem da criança perceberam que ela estava muito pálida e que já não mais respirava.  XY preferiu morrer, do que viver nesse mundo ingrato.
Coitado, foi dormir e “acordou” MORTO! 

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos de Outono - Edição 2016" - Agosto de 2016