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José Antonio Silva Santos
Rio de Janeiro / RJ

 

A fera

 

Em meados do século XVIII, a região Cotswolds, zona rural da Inglaterra, além da beleza natural dos seus campos dourados, foi marcada por um acontecimento que entrou para os anais da história do país.
   Em Bath, uma cidadezinha conhecida por suas nascentes termais, havia um casarão construído a dois séculos atrás, nos moldes de um castelo medieval, em menor escala, lá moravam o Sr. Clark Follman, a Srª Katerine Follman, e Frank Follman, além de mais quatro serviçais. O filho único do casal nasceu com uma desconhecida doença que provocava uma severa intolerância aos raios solares, mesmo nos dias frios, uma rápida exposição a claridade era suficiente para ulcerações por várias partes do corpo, seus olhos foram se tornando cada vez mais sensível a luz, mergulhando o menino Frank num mundo de trevas.
   Frank cresceu sem contato com outras crianças, seu único amigo era um gatinho preto que vivia com ele desde filhote naquele quarto escuro, até que pouco antes do menino completar quatorze anos de idade, seu amiguinho fugiu e foi morto por um vizinho que tinha aversão a todo tipo de animal.  A partir de então Frank passou a sair escondido nas madrugas e perambulava pelos belos campos dourados.
   Certo dia, Frank se afastou um pouco mais que o de costume, e em meio a belas paisagens e um luar que não oferecia perigos a sua doença, deparou-se com uma maravilhosa piscina natural, onde mergulhou naquelas águas quentinhas na maior alegria. Estava tão bom aquele banho que o rapaz não se deu contas das horas, e quando deu por si, os primeiros raios solares ameaçavam romper as nuvens e clarear o novo dia. Tomado pelo pânico, provocado pelas consequências de sua doença, Frank saiu correndo com as roupas nas mãos, e como não conhecia bem o local, acabou tomando a direção errada, de repente parou e percebeu que estava perdido, e a sua salvação foi avistar uma gruta tomada pela vegetação, onde a luz do dia não penetrava, e ali permaneceu até que a escuridão voltasse.
   Após um dia tórrido, veio a noite, e com ela uma chuva fina, que tornava a escuridão ainda mais nebulosa. Na casa de Frank o desespero pelo seu desaparecimento tomava conta de seus pais. Depois de muito procurar, Frank encontrou o caminho de casa, e quando se aproximava, viu o vizinho que matou seu amiguinho, cortando lenha sob a luz de um lampião, então resolveu aproximar-se até o limite que a luz não o alcançasse, e o fez sem ser percebido, ficou observando até que um gato se aproximou daquele homem a procura de carinho, sem pestanejar, aquele homem rude aplicou um golpe com o machado no pequeno animal. Nesse momento, Frank foi tomado por uma raiva que ele mesmo não conhecia, e enquanto o perverso lavava as mãos num local mais escuro, o rapaz surgiu como uma sombra e o atacou com o próprio machado, sumindo na escuridão sem chamar a atenção de mais ninguém. Entrou na sua casa ofegante, mas com uma expressão de prazer, não sendo percebido pelos os pais, que simplesmente o abraçaram aliviados.
   Tanto tempo de escuridão potencializou os outros sentidos de Frank, principalmente a audição, ele era capaz de distinguir tudo que se aproximasse, sua visão era como dos felinos, apesar de não precisar ver para localizar algo que se movesse. Estranhamente sua aparência foi se transformando, seus dentes e unhas cresceram, os pelos já tomavam todo seu corpo, o que o tornou ainda mais arredio, impedindo a entrada de qualquer um em seu quarto, inclusive seus pais. Como um animal selvagem, todas as noites ele saia para caçar, mas não tinha coragem de matar os pequenos animais que encontrava, mas as lembranças do prazer que sentiu ao matar aquele homem, não saia de sua cabeça. Então, ao aproximar-se de uma fonte, percebeu a presença de um casal de namorados, que se amavam naquelas águas termais, ele assumiu uma postura de um felino que se preparava para atacar, ficou observando por um tempo, e os atacou ao saírem da água, depois arrastou seus corpos para dentro da mesma gruta que um dia o abrigou. Frank tomou gosto por matar humanos, e como não encontrava muitos na escuridão, criou uma tática para ataca-los dentro de suas casas, onde vendava seus olhos ao adentrar nas casas, e por puro extinto eliminava todos que encontrava, depois os arrastava para gruta.
   A população vivia em pânico, a notícia da existência de uma fera percorria por todo país, a descoberta da gruta com mais de cem corpos no seu interior percorreu o mundo, caçadores de toda Europa se dirigiram para Bath e arredores, mas a fera desapareceu sem deixar vestígios.
   Os Follman dispensaram todos os serviçais e viveram reclusos no seu castelo, como gostavam de chamar sua casa, o Sr. Clark só era visto na cidade comprando provisões, a Srª Katerine não se sabe nem quando ela faleceu, sua sepultura encontrava-se ao lado da casa, onde também foi construída a do marido, após seu corpo ser encontrado fora de suas terras. Nenhum herdeiro apareceu para reclamar a herança, e a casa permaneceu abandonada por muitos anos.
   Em 1810, as terras dos Follman, foi ocupada por uma numerosa família de irlandeses que transforaram aquelas terras numa fazenda muito produtiva, o casarão teve que passar por uma reforma, todos os seis quartos seriam devidamente ocupados, e em um deles foi encontrado um corpo sepultado em baixo de uma bancada afixada no fundo do quarto, onde havia preservado uma imagem de São Jorge.
   O casal Follman perdeu seu filho para a doença logo depois do seu nascimento, sua infância e adolescência passaram sem que os pais pudessem ver seu rosto claramente, mas isso não os impediu de amá-lo, e por amor a ele, foi necessário eliminar a fera que habitava no corpo de seu menino. E esse segredo foi levado com eles para o túmulo.

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos de Outono - Edição 2016" - Agosto de 2016