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Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

 

A mãe, foi três

 

 Há muito tempo, num lugar perdido na imensidão desse País, uma jovem senhora resolveu que viver não era mais possível. Com a arma do próprio marido pôs fim a existência.
 Era ela mãe de 4 filhos e, um por vir. A menorzinha com poucos meses.  A maior nem 5 anos completos. Crianças que de um momento para o outro ficaram órfãs.
Não morreu na hora. No próprio leito conjugal, onde o sinistro aconteceu agonizou por dias. Um tempo sem recursos. Uma época onde tudo era distante. A jovem senhora, não se sabe se pediu perdão ao marido, aos filhos, ao Senhor da Vida, também por ser ela uma mãe.
Segundo alguns, pois o segredo dessa morte, foi muito bem guardado por muitos anos, quis castigar o próprio esposo.  Jovem bonito, galanteador, com futuro promissor, ainda com muitas senhoras a lhe prestar favores.
A jovem esposa passava muito tempo na casa da fazenda, com a avó paterna das crianças. De quando em quando, voltava para sua cidadezinha no convívio carinhoso com a mãe.
 A esposa mulher bonita, filha única entre 5 irmãos, criada com muito mimo. Casou-se muito jovem, foi embora para uma aldeiazinha sem recursos, de chão batido, eram as estradas. Essas ligavam as localidades, as fazendas nos Campos do Sul do Brasil. Não havia tanto barro, pois nem era trafegadas,  poucos eram os carros da época.  Os autos, assim chamados deixavam as marcas pelo caminho. Só eram apagadas com longas chuvaradas. Serviam até como pontos de referencias. A cavalo, era só seguir os pneus dos autos e, assim chegar à casa do Tio Galvão.    O pó, só quando produzido pelo vento ou pelas patas de cavalos, absolutos para transportarem de lá para cá e da cá para lá.
 A novidade mesmo eram as tropas de gado. Essas tiravam as pessoas das suas lidas. Nas janelas, nas varandas apreciavam o espetáculo, além de bonito, era especial. Quebrava a monotonia do lugarejo. Servia de entretenimento nos chalrear dos moradores, por muitos dias.  
O Tropeiro chefe, antes da passagem do gado, varava a estrada principal, avisando para não deixarem as crianças saírem de casa, nem animais pastando a beira do caminho.  Sempre havia um boi mal humorado, disposto a atacar. Ainda era preciso contar com um imprevisto, ou o estouro da boiada.
O perigo era no arranco da boiada, quando paravam para descansar em algum potreiro. Alguns animais xucros eram assustadiços por qualquer motivo, preocupavam mais que os bois abichornado. Toda tropa tinha a madrinha com um cincerro e um tropeiro experiente que seguiam na frente chamando os bois, orientado a pionada. Levavam junto novilhas gordas para a peonada charquear  na viagem.
Os vaqueiros chamavam a atenção das moças casadouras. Eram garbosos, galanteadores.
Voltando a nossa senhorinha, com tantos filhos, ainda muito pequenos, também foi professora, não sei, se pensou neles ou se o desgosto foi maior que qualquer alento maternal, desfez uma família. Dizem os da época que ela estava grávida, mais uma vez.
Foi uma briga até para sepultá-la. A norma predizia quem atentar contra a própria vida não merece estar num cemitério cristão. Ainda bem que o marido era pessoa de posição social no lugar. Mesmo assim houve bate boca.
Com a tragédia, os filhos foram divididos. A pequenininha com o irmão, foram mandados para a casa da avó paterna, morar na Campanha.  Um viver isolado, entre as lidas campeiras. Os moradores, pião da fazenda, que ajudavam a  Senhora dona do Campo, viúva, ela administrava com carinho e eficiência, cuidaram muito bem da pequena. Ela fala do tempo com carinho. Até cavalgar pelos campos, faziam para agradá-la.
Na estância havia a casa da escola. Um professor contratado para alfabetizar, os filhos tanto dos peões como os afilhados que se achegavam junto da casa grande, como os dos peões. As crianças cresciam sem preconceitos sociais.
O menino um pouco maior, voltou para viver com o pai.
A mais velha, com a outra menina, foi enviada para a casa da avó materna. Morava ela, num lugar já bem constituído, uma localidade quase município.  Essa avó, mãe da filha única, nunca mais se recuperou da perda de forma tão trágica. Ela passava o dia na cadeira de balanço, com as lembranças da infância da filha amada.  O alimento vinha pronto do hotel, o serviço doméstico feito por outros.
Foi muito carinhosa. Penteava as meninas, enfeitava o cabelo, fazia cafuné, contava histórias. Até canções de ninar. As criou, como as netas queridas, as filhas, de quem tanto amou. Tiveram uma infância bem vivida, um gato de estimação. O carinho do avô, do padrinho. Esse tinha um auto, um luxo na época. Ele levava as meninas passearem.
Os quatro irmãos separados pelo destino viveram a primeira infância longe um do outro. Criados de forma diferente também passaram a enxergar a vida ou  mais colorida ou cinzenta.
 A caçulinha até hoje, mais de 80 anos depois, fala da avó, como a mãe Idalina. Senhora carinhosa, deixava passar as mãos no seu cabelo, pentear, no colo fazer e receber carinho. Diz ela:
- Eu tive três mães. Elas me cuidaram, me amaram. Uma só me deu  a vida. As outras duas me ensinaram a viver. A foto da vovó Idalina é a que ocupa o lugar de destaque, na sua Sala.
Mais uma vez se comprova, quem oferece o cuidar, oferece o colo, quem faz carinho é que é a Mãe.
A outra filha diz:
- Eu não tive mãe. A mamãe morreu quando eu era muito pequena. Não consigo nem lembrar-me dela. Não sei o que é um carinho materno.
Vive a amargura da vida. Não perdoa o fato de a mãe ter partido muito cedo. Mas não questiona por ter sido ela, que assim quis.
Faltou carinho ou não quis receber o carinho de outra?? Fala da Vovó que a cuidou, criou, com certa saudade, mas não menciona nenhuma ação amorosa entre elas. Reclama que era ela obrigada a comer tudo o que punha no prato. Costume da época. Depois, fez o mesmo com os filhos. Não respeitou nem o que o paladar deles nunca aceitou. A vara em cima da mesa falava mais alto. Mesmo que escondido,  muitas vezes pusessem do volta o alimento frustrante.
A vida é engraçada, a mesma situação, avós carinhosas, embora em lugares diferentes, uma teve três mães, a irmã, nenhuma. Vive de saudade da mãe que nunca teve, mas não aceita nenhum carinho. Nem mesmo ser mãe de verdade soube ser.  Só lamentar, não adianta. É preciso também aceitar o carinho de outras pessoas.
Mãe, não deve ser substituída. Afirma veementemente. Até pode ser verdade. O mais importante não é parir, mas sim criar.
A mãe Idalina, lembrada com ternura. Foi boa. Amou os filhos, netos, sobrinhos e criados. Viúva administrou o Campo. Conduziu a família e, os peões. Um exemplo de mulher.
A menina loirinha, miudinha conviveu até os 15 anos com a avó, para depois vir para casa do pai, que já havia se casado outra vez. Guarda com saudade um tempo que foi feliz porque não lhe faltou uma mãe. A que partiu, é reverenciada na memória.  Da avó recebeu a firmeza do bem viver. A certeza que vale apena a Vida é preciso saber usufruir o Bem Viver.
Soube aceitar o carinho de uma mãe, o cuidado afetuoso. Cresceu em Graça e Sabedoria.
Para a outra, talvez tenha faltado alguma coisa, não o afeto, talvez conversas vinda da alma, o que a fez ser amarga consigo mesma. Assim não encontrar, não valorizar o que recebeu não se dispor a ser mais afetuosa.
São fatos da Vida. A mesma situação, três mães, ou nenhuma. . . 
  

 
 
Conto publicado no livro "Contos de Outono - Edição 2016" - Agosto de 2016